Nonato Guedes
Enquanto permanece no Nordeste costurando palanques regionais para se candidatar novamente à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colhe os frutos da polarização que está buscando recriar no cenário político nacional, desta feita não mais com o PSDB e, sim, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), presumível candidato à reeleição em 2022. Uma reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” dá conta que o PSOL de Guilherme Boulos discute uma aliança inédita com o PT nas eleições presidenciais do próximo ano. Se for concretizada, será a primeira vez que a legenda não terá um candidato próprio e apoiará o PT logo no primeiro turno.
A estratégia psolista, de acordo com o “Estadão”, é patrocinada pela cúpula da agremiação, devido à “gravidade do momento político do Brasil”, mas enfrenta resistências internas. O PSOL foi criado em 2004 após uma dissidência interna do PT no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, a cúpula do partido negocia o apoio à candidatura de Lula como parte da estratégia para derrotar o presidente Jair Bolsonaro, conforme se alega. Guilherme Boulos, que foi candidato da legenda ao Planalto em 2018, deverá concorrer ao governo de São Paulo. Até onde se sabe, a tática eleitoral do PSOL será discutida no congresso da legenda, marcado para 25 e 26 de setembro. O atual presidente do partido, Juliano Medeiros, é um dos apoiadores da aliança com o PT e tentará um novo mandato na sigla. Ele é filiado à Primavera Socialista, corrente majoritária do PSOL.
Uma ala minoritária, formada pelo Movimento de Esquerda Socialista, defende candidatura própria e planeja lançar o deputado Glauber Braga (RJ) para o Planalto em 2022. Uma das condições colocadas pelo PSOL para apoiar o PT no primeiro turno é uma defesa enfática a uma proposta econômica mais voltada à esquerda, incluindo a revogação do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. A derrubada do teto como proposta central não é um consenso no PT e, justamente por isso, entrou no radar dos debates. O presidente do PSOL admitiu em entrevista a negociação com o PT para apoio no primeiro turno. “É uma possibilidade considerando a gravidade do momento do Brasil e vai levar em conta aspectos programáticos, arco de aliança e possíveis acordos eleitorais nos Estados que sejam de interesse do PSOL”, disse Juliano Medeiros.
Por via das dúvidas, a ala minoritária não descarta a tática adotada em eleições anteriores, de lançamento de candidatura própria no primeiro turno, até para garantir a identidade do PSOL na multifacetada conjuntura partidária brasileira. Os acenos feitos por Lula ao Centrão e setores empresariais incomodam a corrente mais radical do partido, que saiu do PT exatamente por divergências com a política adotada pelo ex-presidente ao assumir o poder em 2003. “Essa unidade que todos sejam contra Bolsonaro não pressupõe a subordinação das nossas ideias a teses que já tiveram oportunidade de governar. Ao contrário, é necessário também apresentar um programa que vá à raiz dos problemas”, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (RS), a favor da candidatura do deputado Glauber Braga. Entre as prioridades, a parlamentar menciona a taxação de grandes fortunas, auditoria da dívida pública e “um programa de esquerda que não aceite políticas de conciliação de classes, ou seja, alianças com partidos da burguesia”.
Da parte do PT, no tocante a eleições estaduais como a que envolverá o governo de São Paulo, os planos são lançar o ex-prefeito Fernando Haddad para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Uma chapa composta por Boulos e o petista, no entanto, não está totalmente descartada. Haddad, que se candidatou a presidente da República substituindo Lula, que estava impossibilitado de se registrar e enfrentava inferno astral jurídico-policial, é considerado dentro do PT como “pule de dez” para qualquer projeto de candidatura, dentro da avaliação de que a prioridade máxima para o partido é o retorno de Lula ao poder, porque, com ele, petistas também voltarão às instâncias de decisão. Na verdade, desde que recuperou direitos políticos e houve a anulação de condenações que lhe haviam sido impostas pelo Supremo, Lula se movimenta para tirar o melhor proveito do anti-bolsonarismo.
Ele procura sensibilizar segmentos de esquerda e agrupamentos de oposição com o argumento de que derrotar Bolsonaro, impedindo o seu continuísmo no poder, é o mote que deve criar as condições objetivas para a formação de uma frente ampla, naturalmente tendo ele (Lula) na cabeça, porque teoricamente é o símbolo mais expressivo do anti-bolsonarismo e, além do mais, detém indiscutível habilidade política para “concertar” entendimentos políticos-eleitorais, pela sua liderança absoluta, quase avassaladora, dentro do Partido dos Trabalhadores, e pelo prestígio de que ainda desfruta em parcelas da esquerda, além do trânsito junto a forças políticas de centro. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), que recebeu Lula para um jantar no domingo, disse que as ações da pandemia e o atual plano de retomada da economia reforçam a perspectiva de uma frente ampla do campo progressista para derrotar Bolsonaro e fazer o Brasil voltar a crescer. É a música predileta para os ouvidos de Lula, que já deixa escapar sinais de triunfalismo, sonhando com a volta ao Planalto.