Nonato Guedes
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está concluindo, no início da semana, o primeiro giro pelo Nordeste na preparação para a campanha eleitoral de 2022, em que planeja concorrer novamente pelo Partido dos Trabalhadores ao Palácio do Planalto, bafejado pela reabilitação de seus direitos políticos que foi assegurada pelo Supremo Tribunal Federal. Na avaliação de cientistas políticos e de articuladores do PT nacional, Lula sai desse périplo levando no alforje uma “boa colheita” de apoios ao seu projeto, junto a partidos variados e líderes de peso na região. Ele procurou se colocar como o contraponto ao presidente Jair Bolsonaro, que sonha com a reeleição mas que tem ampliado seu nível de isolamento e de desgaste no cenário nacional devido a posturas focadas no conflito, não no consenso, que tem adotado.
Mais do que definir palanques ou candidaturas estaduais – que ele sabe que serão acertadas internamente entre as forças que admitem lhe apoiar – o ex-presidente quis capitalizar-se para reforçar o próprio palanque, numa disputa que pode vir a ser desigual contra Bolsonaro, diante das manobras que este já articula para tentar desestabilizar o processo eleitoral de 2022, com receio de uma derrota acachapante. Neste novo roteiro, Lula colocou-se no papel de fiador da democracia, que é constantemente ameaçada por Bolsonaro e seus apoiadores, através de tentativas de impor até mesmo experimentos que já estavam fora do radar, como é o caso das coligações partidárias, aprovadas na Câmara mas que tendem a ser rejeitadas pelo Senado, conforme já antecipou o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. A garantia do respeito ao processo democrático é fundamental para que Lula, em caso de vitória, não venha a enfrentar contestações de perdedores empenhados em tumultuar a vida institucional brasileira. Foi isto que ele deixou claro nas conversas mantidas com políticos como o socialista Paulo Câmara, governador de Pernambuco, e o ex-presidente José Sarney, ainda influente no Maranhão.
Uma reportagem do portal UOL destaca que um dos “testes” de Lula para receptividade a uma nova candidatura sua foi quanto aos acenos dos políticos do chamado “Centrão”, agrupamento conservador, também rotulado como “fisiológico” na Câmara dos Deputados, por votar em matérias do governo na base do “toma lá, dá cá”. No Nordeste, por conta da popularidade indiscutível de Lula, muitos políticos deixaram claro que querem o apoio a suas candidaturas em 2022. O cientista Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco), assim analisa a conjuntura regional: “Lula está fazendo uma articulação política no Nordeste com partidos do Centrão, como PP e PSD, que são partidos que nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul teriam uma dificuldade em apoiar o ex-presidente. E Lula veio com o objetivo de tentar construir o apoio desses partidos para com a candidatura dele a partir do Nordeste”. No Maranhão, onde o governador Flávio Dino (agora PSB) está com Lula, o ex-presidente participou de um jantar com o ex-presidente Sarney, que teve conotação sentimental. “Não esqueço quem foi justo comigo”, disse ele, explicando que foi para o encontro por cordialidade, não para conversar política.
A Paraíba ficou de fora da primeira programação de novas visitas de Lula ao Nordeste, e parece certo que as complicações no campo de apoio ao ex-presidente no Estado contribuíram para adiar o seu desembarque. Há fatos novos, como a desfiliação do ex-governador Ricardo Coutinho do PSB e a preparação para seu reingresso nas fileiras do PT, levando alguns poucos aliados que lhe são fiéis. Em paralelo, o governador João Azevêdo (Cidadania), que rompeu com Coutinho, já acenou sobre abrir as portas do Palácio da Redenção para dialogar com Lula sobre problemas nacionais e regionais, bem como indicou preferência de apoio à sua candidatura no páreo presidencial de 2022. O arco de adesões a Lula na Paraíba envolve, ainda, o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV), adversário do governador Azevêdo, e o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), que se mantém na base de apoio ao governismo local. Lula espera a decantação dos fatos para arrumar o quebra-cabeça de palanques na Paraíba.
Para o cientista Adriano Oliveira, Lula quer tornar a sua candidatura em evidência no Nordeste, e, em segundo lugar, a viagem serviu para que ele pudesse se articular com o PSB, sabendo que o partido é uma força em Pernambuco, mas também tem projeção nacional. A viagem, não por acaso, começou pelo destino mais importante neste momento: Recife, onde o líder petista foi recepcionado pelo governador Paulo Câmara e pelo prefeito do Recife, João Campos, ambos do PSB. O portal UOL lembrou que PT e PSB vivem uma eterna saga de idas e vindas em Pernambuco e que em 2020 os dois partidos travaram uma acirrada disputa pela prefeitura do Recife, com o uso explícito do antipetismo na campanha de João Campos contra Marília Arraes (PT). O episódio deixou marcas e o próprio governador chegou a dizer, no dia da eleição, que a parceria em âmbito estadual deveria ser avaliada.
Valendo-se da larga intuição e da inegável habilidade política, Lula dispôs-se, então, a enfrentar uma maratona em plena pandemia de coronavírus movido pelo interesse de aparar arestas entre forças políticas nordestinas que podem convergir naturalmente para o leito de sua candidatura ao Planalto em 2022, independentemente das divergências locais. O próprio Paulo Câmara demonstrou, desta feita, que as rusgas com o PT são coisa do passado, e deixou isso explícito em publicação no Twitter com uma foto com Lula e a defesa de “uma frente ampla do campo progressista para derrotar Bolsonaro”. De acordo com a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, a vinda de Lula não foi, necessariamente, para costurar alianças, mas para assegurar apoios ao processo livre e democrático no Brasil em 2022. Ou seja, Lula agitou o “fantasma” Bolsonaro para sacramentar o máximo de adesões ao seu projeto de retomar o poder. Ele queria marcar território, e isto está feito, dificultando qualquer movimentação em prol de uma alegada “terceira via”.