Nonato Guedes
Em meio a críticas de alguns segmentos da sociedade quanto ao pedido de audiência que governadores dos Estados e do Distrito Federal resolveram fazer ao presidente da República, Jair Bolsonaro, o gestor da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania) explicou que o interesse dos agentes públicos é o de fazer avançar a pauta institucional brasileira que, na sua opinião, ficou prejudicada em virtude do clima de tensão reinante entre Poderes. “Queremos manter um ambiente institucional em todos os níveis para o equacionamento de demandas que a sociedade reivindica”, expressou o governante paraibano, que participou do Fórum de Governadores do Brasil de forma remota. Representantes de 24 Estados e do Distrito Federal tiveram participação (presencialmente ou por videoconferência) na reunião que é analisada como divisor de águas no processo institucional do país.
Azevêdo lembrou que a solicitação de audiência não foi direcionada exclusivamente ao mandatário, mas aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), bem como ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. O movimento dos governadores é com vistas a restabelecer canais de diálogo sobre agendas urgentes que ficaram congeladas devido ao radicalismo que ganhou ênfase com o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, formulado diretamente por Bolsonaro junto ao senador Rodrigo Pacheco. Há medidas sociais e econômicas reclamando soluções e, da mesma forma, matérias de interesse dos Estados tramitam no âmbito do Congresso Nacional e da Corte Suprema. Sem um consenso mínimo ou algum aceno de entendimento, prevalecerá uma espécie de “anomia” no país, sem a atuação do Estado em decisões que são de sua competência e com atuação isolada de Estados fora do contexto da Federação em que se encontram inseridos.
Sob todos os pontos de vista, a falta de diálogo é a pior alternativa que pode ser abraçada no momento crucial enfrentado pela sociedade brasileira. A conjuntura continua ameaçadoramente adversa, do ponto de vista econômico e social, como corolário da crise sanitária que foi desencadeada no bojo da eclosão da pandemia do novo coronavírus. Uma conjuntura assim, mesclada de incertezas ou falta de perspectivas, tem consequências políticas desastrosas, sendo o combustível que pode alimentar convulsões sociais. O risco para a sobrevivência das instituições democráticas é muito alto, diante, inclusive, do cenário que já se desenha de estímulo ao confronto, da parte do próprio presidente da República, quando mobiliza apoiadores para prováveis atos de rua, na Semana do Sete de Setembro, com cunho revanchista contra os opositores do governo atual.
Não é segredo para ninguém que Bolsonaro se mantém no cargo à custa de um discurso divisionista, em muitos casos retaliador, contra os que não seguem a sua cartilha política ou os ideais que professa. Essa postura atípica de um presidente da República na história brasileira tem contribuído para a tensão permanente, para o conflito que envolve desde a autonomia de “A” ou “B” na tomada de decisões de interesse público, até a orquestração calculada para desgastar adversários, como se o País estivesse experimentando atmosfera de campanha eleitoral. Ao presidente Jair Bolsonaro, mais do que a qualquer outro ente público, interessa esse ambiente conflagrado, porque ele ganha fôlego, em tese, para dar curso a teorias conspiratórias em tática adrede planejada com o intuito de desviar as atenções da opinião pública dos graves problemas que afetam o Brasil. A impopularidade do governo agrava o seu isolamento social e político.
Um exemplo preocupante da postura irracional adotada pelo presidente Jair Bolsonaro está na forma com que ele, sistematicamente, ataca os governadores de Estados, ultimamente não discriminando sequer aliados ou apoiadores seus, por alegado incômodo com suposta autonomia que esses gestores teriam adquirido na pandemia de Covid-19 acima de poderes excepcionais de que o presidente da República gostaria de dispor, saudosista confesso que é de instrumentos autoritários e de Atos de Exceção que formaram uma página negra da vida brasileira. Mais do que atacar governadores, o presidente da República passou a agir com vistas a jogá-los contra as populações dos seus Estados, recomendando-lhes que cobrem providências, sempre, da parte deles, não preferencialmente do mandatário supremo, mesmo em casos em que a responsabilidade deste é una e, portanto, indivisível. Mais recentemente, o ingrediente da infiltração bolsonarista no interior das Polícias Militares para cooptá-las a atos de insubordinação contra a autoridade de governadores tornou-se a pá de cal na necessidade de uma reação perante a escalada de autoritarismo.
Não há nenhuma ilusão de que Bolsonaro seja solícito quanto a conceder audiências a governadores e representantes de outros Poderes. Em paralelo, também não há a mínima garantia de que eventuais compromissos verbais assumidos pelo presidente da República venham a ser, efetivamente, cumpridos por ele, na esteira de um ensaio de concertação para pôr fim a crises que estão se alastrando. Mas não havia outro caminho para os governadores senão o de testar o limite de credibilidade da palavra presidencial, até para desvendar suas intenções ou propósitos quanto a golpes, que constituem obsessão prioritária para o atual ocupante do Palácio do Planalto. Esgotada essa etapa da busca do entendimento mínimo com o governo federal é que se poderá cogitar a adoção de medidas extremas. Nesse caso, não será surpresa se entrar no radar o sempre adiado tema do impeachment do presidente Jair Bolsonaro.