Nonato Guedes
Os governadores de diferentes Estados experimentaram nos últimos anos um protagonismo que há muito não se via no cenário político-institucional brasileiro. É o que mostra uma reportagem da revista “Veja”, intitulada “A política do cofre cheio”, que enfatiza o destaque alcançado por gestores, de João Doria (PSDB), que governa São Paulo, aos integrantes do chamado “Consórcio Nordeste”, onde sobressaem filiados do PT, PSB e Cidadania. Além da projeção obtida no enfrentamento à pandemia de coronavírus, os governadores constituem um dos principais alvos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro e da máquina bolsonarista nas redes sociais, ambos interessados em mudar o foco das responsabilidades pelos efeitos da crise sanitária e, também, pela crise econômica-social.
A alusão ao “cofre cheio” é uma referência ao fato de que vários governadores estão se valendo de privatizações de empresas e da retomada econômica para obter dividendos eleitorais em seus Estados. O protagonismo, conforme “Veja”, está longe do fim. “Em 2022, eles devem chegar ao julgamento das urnas em um contexto favorável, com dinheiro em caixa, a economia sendo retomada com o esperado fim da pandemia e a popularidade em alta, após um duro período em que tiveram de tomar medidas contestadas como fechar o comércio e restringir atividades e a circulação das pessoas”, informa o texto de Leonardo Lellis e Caíque Alencar. Na verdade, os tempos bicudos acabaram sendo pedagógicos para criar uma nova cultura no país, baseada em menos dependência da União. O “Consórcio Nordeste” é um exemplo de como a criatividade dos governadores tem funcionado para compensar retaliações do poder central.
Uma pesquisa XP/Ipespe indica que a avaliação de ótimo/bom na condução da crise sanitária subiu 7 pontos entre julho e agosto (de 36% para 43%), enquanto a de ruim/péssimo caiu 9 (de 28% para 19%). No reverso da medalha ou na contramão desses percentuais, o presidente Bolsonaro viu a sua taxa negativa chegar a 59% contra 21% da positiva. O cientista político Claudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas, opinou à “Veja”: – Os governos estaduais não costumam ter tanta atenção do público, mas as omissões de Bolsonaro na pandemia abriram espaço para os governadores se posicionarem e ocuparem esse vácuo. Dois exemplos concretos que ele aponta foi a aposta feita por João Doria na vacina contra a Covid-19 em São Paulo e a articulação dos integrantes do chamado “Consórcio Nordeste”. Com esse cacife, Doria permanece dispondo de ativos para empalmar uma candidatura à presidência da República em 2022 contra Bolsonaro. Se isto ocorrer, será uma guinada espetacular, levando-se em conta que em 2018 em São Paulo o tucano vitoriou colado à imagem do capitão e protagonizou programas como o famoso “BolsaDoria”.
A perspectiva positiva reinante, conforme “Veja”, se dá por causa do incremento das receitas, algo que já pode ser otado em 2021, permitido pelo início da retomada da economia e auxlliada pela inflação de quase 9% que se reflete no acréscimo da arrecadação. Ironicamente, uma boa parte da recuperação financeira dos Estados pode ser atribuída aos 37 bilhões de reais que o governo federal distribuiu para fazer frente à emergência sanitária. Para receber o socorro, eles foram obrigados a congelar alguns gastos, como o reajuste salarial do funcionalismo, o que resultou em mais dinheiro em caixa. A quase bonança atinge até quem não esperava. Estados que se notabilizaram nos últimos anos por agudas crises fiscais, como o Rio Grande do Sul, Minas e Rio, onde servidores tiveram atrasos de salários, agora se permitem fazer planos de investimentos. A agenda daqui para a frente segue uma velha receita: anúncios de obras, de preferência de grande visibilidade, como estradas.
Em paralelo, lembra “Veja”, os governadores também cumpriram o seu papel no incremento dos cofres, como ao viabilizar privatizações. No Rio Grande do Sul, a venda de estatais de gás e energia elétrica deve render pelo menos 4,5 bilhões de reais ao Estado. O governador Eduardo Leite (PSDB) já anunciou que 1,3 bilhão será usado em um pacote de obras viárias até dezembro de 2022. Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) ainda patina para equilibrar as contas, mas terá um reforço providencial decorrente dos 11 bilhões de reais pagos pela mineradora Vale do Rio Doce em um acordo pelos danos causados em Brumadinho em 2019. O dinheiro vai financiar a manutenção de estradas, a implantação do rodoanel metropolitano e a conclusão de hospitais regionais. Em São Paulo, além do trunfo da Coronavac, João Doria lançará mão de um plano de grandes obras e sua gestão espera 18 bilhões de reais apenas com concessões e privatizações.
Pode ser que a tendência de polarização da campanha eleitoral de 2022 entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dificulte os espaços para a chamada “terceira via” que alguns governadores gostariam de protagonizar, entre eles João Doria e Eduardo Leite, que, inclusive, se preparam para prévias dentro do PSDB com vistas à indicação de candidato próprio ao Planalto. Mas, mesmo que um governador não seja alçado à vitória na corrida presidencial do próximo ano, vários deles estarão cacifados em seus Estados, ora para concorrer à reeleição, ora para disputar cadeiras no Senado ou na Câmara Federal ou até mesmo compor chapas presidenciais em gestação. O que não deve passar despercebido é o fato de que, em plena pandemia, os Estados passaram a dividir responsabilidades de gestão com a União. E isso, naturalmente, projetou governadores para voos maiores, senão já em 2022, pelo menos num futuro próximo. É dado novo na conjuntura nacional.