Nonato Guedes
Apesar das negativas do ex-presidente Michel Temer (MDB), ele conspirou, nos bastidores, para acelerar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, legislando em causa própria, já que seria investido na titularidade, o que aconteceu. Dilma sempre acusou Temer de manobras para despejá-la do Palácio do Planalto, em sintonia com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que acabou sendo destituído do cargo e, depois, preso, na esteira de processos da Operação Lava-Jato. No livro “Tchau, Querida – O Diário do Impeachment”, Eduardo Cunha deixa claro que “não foi apenas o destino, ou simplesmente a previsão constitucional, que fez de Michel Temer o trigésimo sétimo presidente da República. Ele quis e disputou a presidência de forma indireta. Ele “fez a escolha”.
No livro, Eduardo Cunha ressalta que também houve participação de Rodrigo Maia (ex-DEM) no processo. “Ele era um dos principais militantes e articuladores do caso e buscava os holofotes dessa participação”, escreveu Eduardo Cunha, referindo-se ao político que, depois, assumiu a presidência da Câmara Federal e acabou sendo expulso dos quadros do Democratas, estando, atualmente, sem partido. “Rodrigo Maia não tinha limites para sua ambição e vaidade. Na busca do protagonismo, ele quis se impor como relator da Comissão Especial do Impeachment. Eu tive de vetar tal pretensão, preferindo indicar o então líder do PTB, Jovair Arantes. Não venceríamos na Comissão Especial se a relatoria ficasse com Maia”, narrou. Depois, já com o impeachment aprovado na Câmara, conforme Eduardo Cunha, Rodrigo Maia quis de alguma forma ser o líder do governo Michel Temer na própria Câmara.
– Ele (Rodrigo) já estava oficialmente convidado para isso pelo novo governo quando, atendendo à pressão dos líderes dos partidos de centro, que ajudaram no impeachment, eu interferi junto a Michel Temer, demovendo-o dessa decisão. Entre os líderes dos partidos PP, PSD, PR, Solidariedade, PTB, PSC, PHS e PTN estava Aguinaldo Ribeiro, do PP (Paraíba). Eles exigiram que Rodrigo Maia fosse desconvidado e indicaram o então líder do PSC, André Moura. Coube a mim levar a Temer a demanda, para evitar uma crise política, logo no início da presidência dele, e alterar a decisão. Aguinaldo Ribeiro depois viria a ser o grande aliado de Maia. Essas duas ambições de Rodrigo Maia, frustradas por mim, o levaram ao rompimento comigo. Por consequência, quando ele conseguiu ascender à presidência da Câmara, por vingança, facilitou a cassação do meu mandato, fazendo uma sessão às vésperas das eleições municipais, além de impedir que pudesse haver uma punição alternativa – narrou Eduardo Cunha, em trechos do seu livro polêmico.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados conta que o primeiro pedido de impeachment no seu segundo mandato coube ao então deputado Jair Bolsonaro, em 13 de março de 2015, em função de denúncias de corrupção na Petrobras. Eduardo Cunha relatou que rejeitou o pedido, sendo que, de todos aqueles que tiveram seu pedido de impeachment por ele rejeitado, Bolsonaro foi o único que recorreu contra a sua decisão em plenário. “Em função da decisão do Supremo Tribunal Federal em relação a uma questão de ordem, de número 105, não pude colocar seu recurso em votação no plenário, o que pode explicar um pouco as razões do crescimento dele, pois Bolsonaro foi, realmente, precursor no processo de impeachment”, historiou Eduardo Cunha. Em “Tchau, Querida!”, Eduardo Cunha insinua que Dilma não tinha a menor habilidade política para, por exemplo, negociar com o Congresso Nacional a aprovação de matérias de interesse do seu governo. Ressalta, também, as dificuldades de diálogo da ex-presidente com membros da classe política, lembrando que em algumas vezes o próprio ex-presidente Lula tentou interceder para que Dilma fosse flexível em demandas de parlamentares, não sendo, porém, atendido.
Eduardo Cunha conta que Luiz Inácio Lula da Silva não foi um grande entusiasta da campanha de Dilma Rousseff à reeleição em 2014, uma vez que pretendia, ele mesmo, voltar ao Palácio do Planalto e considerava desastradas algumas das medidas tomadas pela “ungida”. O movimento pela recandidatura de Lula em 2014 chegou a ser defendido por correntes petistas ortodoxas, mas arrefeceu, conforme registros da imprensa, por mediação do próprio Lula, que não pretendia cometer uma descortesia com Dilma nem provocar um impasse político de consequências imprevisíveis. Eduardo Cunha rememorou os desgastes e derrotas de Dilma Rousseff na Câmara, os atritos com a base e a aprovação da PEC da Bengala. Avalia que as manifestações de rua de 2013, em protesto contra o governo de Dilma, constituíram um divisor de águas e que elas prosseguiram de forma crescente, dando respaldo à articulação política-parlamentar para viabilizar o afastamento da mandatária.
Na opinião de analistas, a crise só se precipitou quando falhou a negociação de bastidores para que fosse arquivado o pedido de cassação do mandato de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara. O presidente da Câmara havia declarado que não mantinha contas dele, ou de empresas, no exterior. O avanço das investigações da Operação Lava Jato indicou o contrário e foi iniciado seu processo na Comissão de Ética. As bancadas do PT e do PMDB não chegaram a um acordo que retiraria o processo de Cunha e não haveria admissibilidade de algum pedido de impedimento de Dilma. Assim sendo, Eduardo Cunha acolheu, em dois de dezembro de 2015, a denúncia por crime de responsabilidade apresentada pelo procurador de justiça aposentado Hélio Bicudo e pelos advogados Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. A sustentação se baseava na publicação de seis decretos federais que estavam em desacordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Chamados de pedaladas fiscais, os decretos foram manobras contábeis do governo para fechar o ano fiscal. O processo no Legislativo foi acelerado.
Dilma Rousseff foi afastada do cargo em 12 de maio de 2016 e Michel Temer, o vice-presidente, assumiu interinamente. Por três meses, Dilma e seu staff prepararam sua defesa, mas a votação final do Senado resultou em 61 votos pelo impedimento e 20 contra. Assim, em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff se tornou a segunda mandatária da nação a perder o cargo. O primeiro havia sido Fernando Collor de Mello, em 1992, em meio a denúncias de envolvimento com escândalos protagonizados por PC Farias, seu ex-tesoureiro de campanha. Com o impeachment de Fernando Collor, ascendeu à presidência da República o vice Itamar Franco, do PMDB. Contra o atual presidente Jair Bolsonaro, pelo menos mais de cem pedidos de impeachment foram apresentados na Câmara dos Deputados, mas o ex-presidente Rodrigo Maia não colocou nenhum deles em apreciação. Da mesma forma, o atual presidente Arthur Lira, do PP-AL, é reticente quanto a colocar em tramitação novos pedidos de impeachment que alegam crimes de responsabilidade supostamente cometidos pelo atual mandatário. Lira tem afirmado, a respeito, que o instituto do impeachment “não deve ser banalizado no país”.