Nonato Guedes
Pelo menos dois senadores paraibanos, atualmente sem mandato – Raimundo Lira, pelo PMDB, e Cássio Cunha Lima, pelo PSDB, tiveram atuação destacada no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), que transcorreu há exatos cinco anos. Lira procurou agir como magistrado na condição de presidente da Comissão Processante do Impeachment, instalada no Senado depois que a Câmara dos Deputados havia votado favoravelmente ao afastamento de Dilma, facultando-lhe amplo direito de defesa quando ela compareceu à Casa para dar explicações sobre as chamadas “pedaladas fiscais” de que foi acusada pelo Tribunal de Contas da União. Cássio, como líder da Oposição, defendeu o impeachment e alegou que “os crimes do governo foram cometidos com propósito político”, arrematando que “a agonia do país não pode durar”.
Num dos pronunciamentos que fez, nos momentos de tensão que cercaram por mais de cem dias o enredo do processo de afastamento da primeira mulher eleita presidente da República, Cunha Lima chegou a ser enfático: “Não vai ter golpe, vai ter impeachment”. Foi o segundo impeachment em pouco mais de duas décadas da história política brasileira – o primeiro havia ocorrido em 1992, com a saída de Fernando Collor de Mello, acusado de envolvimento em irregularidades do “esquema PC Farias”, comandado pelo seu ex-tesoureiro da campanha eleitoral de 1989. O relator do impeachment de Dilma no Senado foi Antonio Anastasia, do PSDB de Minas Gerais. Dilma teve votos contrários até de políticos que exerceram cargos no seu governo, como o deputado federal paraibano Aguinaldo Ribeiro, do PP, que havia sido seu Ministro das Cidades. O presidente do Senado, na época, era Renan Calheiros, o mesmo que, atualmente, preside a CPI da Covid, bastante criticada pelo governo de Jair Bolsonaro.
Raimundo Lira, empresário que nas eleições de 1986 ao Senado entrou no páreo como “azarão” e acabou derrotando um campeão de votos, o ex-governador Wilson Braga, retornou à Casa na vaga de Vital do Rêgo, de quem era suplente e que fora nomeado ministro do Tribunal de Contas da União. Em depoimentos a jornalistas, Raimundo Lira enfatizou que procurou ter uma posição suprapartidária no contexto, que reconhecia ser particularmente grave por envolver um caso traumático como o afastamento da ocupante da suprema magistratura da Nação. Ele ordenou a retirada, da ata dos trabalhos, de expressões como “criminosa”, com que Dilma foi carimbada em discursos dos oradores mais exaltados. Lira havia participado do outro momento histórico – o impeachment de Fernando Collor de Mello e acabou concordando com propostas para amortecer a punição aplicada a Dilma Rousseff, que não foi prejudicada pela perda dos direitos políticos por oito anos, como ocorrera com Collor.
Uma outra figura de destaque no “script” de cinco atrás foi a senadora Fátima Bezerra, natural da Paraíba, que é atual governadora do Rio Grande do Norte pelo PT, que pontuou em inúmeras intervenções a sua indignação com o processo de impeachment de Dilma, deblaterando, principalmente, contra o conteúdo do relatório de autoria do senador Antonio Anastasia. Dilma Rousseff julgou-se vítima de um golpe político, de uma espécie de “quartelada parlamentar”, e apontou como seus principais algozes o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foi destituído do cargo e, mais tarde, preso no bojo da Operação Lava-Jato, e o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, que conspirou abertamente contra Dilma, valendo-se da sua influência na Câmara, da qual foi presidente. A sessão que decidiu a sorte de Dilma foi presidida por Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal.
O ex-senador Raimundo Lira avaliou que o Senado se comportou à altura da gravidade do momento histórico, fazendo as vezes de “Poder Moderador”, embora admitisse que, no calor da emoção e dos debates acirrados, excessos verbais foram cometidos. Esses excessos, na verdade, constituíam subproduto da polarização dominante, no cenário brasileiro, entre o PT e o PSDB, este contando com o reforço de outros partidos insatisfeitos com a falta de habilidade política de Dilma. Aliás, embora Dilma e o próprio PT tenham sustentado o pretexto de que o impeachment foi, também, consequência de misoginia, o fato é que a então presidente estava enredada em impasses político-administrativos e dinamitou pontes dentro do Congresso Nacional. Dilma chegou a acionar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para socorrê-la, mas os canais de interlocução já tinham explodido.
O julgamento de Dilma Rousseff foi concluído em 31 de agosto de 2016 com a cassação do mandato da presidente, mantidos os seus direitos políticos, o que contribuiu para devolvê-la à cena, sem êxito, em 2018, quando foi candidata a senadora pelo Estado de Minas Gerais e perdeu. O placar há cinco anos no Senado foi de 61 votos favoráveis e 20 contrários. Em junho, a Comissão Especial do Impeachment enfrentou momentos tensos na definição do cronograma de trabalho, feito e reformulado algumas vezes, e na fase de depoimentos das 44 testemunhas. O relatório de Anastasia defendeu a procedência da acusação e a realização do julgamento. Dilma foi afastada, ascendendo à titularidade o vice-presidente Michel Temer, que, pressentindo a inevitabilidade do despejo da titular, costurou alianças com diferentes partidos, traçando já os cenários de governabilidade quando fosse investido para concluir o mandato. Temer não foi candidato em 2018 e, hoje, curiosamente, se insinua como representante da “terceira via” que tenta se contrapor a Bolsonaro e a Lula. Esse prognóstico não é levado a sério, nem pela mídia nem pelos meios políticos. Já nas palavras de Dilma, recapitulando fatos que a impactaram, “o golpe continua, agora com Bolsonaro”.