Nonato Guedes
No dia 31 de agosto de 2016, por 61 votos a favor e 20 contra, o Senado Federal decretou o impeachment de Dilma Roussef (PT) na presidência da República, sendo substituída pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), para completar o mandato até 2018. O Tribunal de Contas da União acusou-a de incongruências orçamentárias e de supostamente tentar encobrir o déficit para fechar o ano, mediante a prática de “pedaladas fiscais”. Pipocaram, também, denúncias de corrupção desenfreada, especialmente em obras da Petrobras e o Tribunal Superior Eleitoral chegou a abrir processo investigatório sobre as linhas de financiamento da chapa Dilma-Temer. Primeira mulher eleita à presidência na história política do Brasil, Dilma construiu a narrativa pela qual foi vítima de “um golpe”, acusando como mentores o seu vice, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB.
Dilma estava no seu segundo mandato, conquistado em segundo turno contra o candidato do PSDB, Aécio Neves, representante de Minas Gerais no Senado. A tese do golpe foi encampada pela cúpula nacional do Partido dos Trabalhadores, atualmente presidida pela deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e tem sido repetida por Dilma em entrevistas concedidas nos últimos dias ao recapitular o processo traumático do seu afastamento. O processo contra a ex-presidente começou na Câmara dos Deputados, em dois de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha acolheu pedido de apuração de crime de responsabilidade a ela atribuído. Após ser aprovado na Comissão Especial formada para analisar o caso, o parecer sobre a admissibilidade da análise do impeachment foi votado no plenário e aprovado com 367 votos a favor e 137 contra. Foi, então, encaminhado ao Senado, que deu continuidade e oficializou o impedimento constitucional da mandatária.
No discurso que proferiu em defesa do seu mandato, no Senado, em 29 de agosto de 2016, Dilma afirmou: “Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça. Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta…Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente. O que está em jogo no processo do impeachment não é apenas o meu mandato, mas o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição. A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira. Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, e muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiros e brasileiras pelo país afora. Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia”. Os apelos foram ignorados pela maioria dos parlamentares.
O afastamento de Dilma Rousseff aconteceu em meio a um agudo processo de desgaste e de isolamento da presidente da República, que enfrentou manifestações de hostilidade em diferentes capitais e cidades brasileiras. Faltando poucos dias para a votação no Senado, Dilma trancou-se nos aposentos privativos no segundo andar do Palácio da Alvorada, em Brasília, evitando até mesmo lidar com os servidores, que tratava como espiões ou espectadores incômodos do seu calvário, como relatou a revista “Veja” numa reportagem de maio de 2016. Dilma passou a morar no Alvorada só com a mãe, Dilma Jane, de 92 anos, que era assistida diariamente por três enfermeiras e já apresentava lapsos de memória. Uma outra reportagem, da revista “IstoÉ”, descreveu cenas de explosões nervosas da presidente. “Em surtos de descontrole com a iminência de seu afastamento e completamente fora de si, Dilma quebra móveis dentro do Palácio, grita com subordinados, xinga autoridades, ataca poderes constituídos e perde, também, as condições emocionais para conduzir o país”, informou a revista, em chamada de capa.
Dilma foi escolhida como candidata a presidente da República pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2010 concluiu seu segundo mandato. Ela derrotou o candidato do PSDB, José Serra, ex-governador de São Paulo e ainda hoje senador por aquele Estado. Militante de partidos de esquerda durante a década de 60, Dilma foi uma das fundadoras do PDT e assessora da bancada do partido na Assembleia Legislativa gaúcha. Também foi secretária municipal de Fazenda de Porto Alegre (RS). Em 1993, foi nomeada secretária de Energia, Minas e Comunicações do Rio Grande do Sul. Em 1998 filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e retornou à secretaria, no governo Olívio Dutra. No governo de Lula, foi nomeada ministra das Minas e Energia e, em 2005, substituiu José Dirceu no ministério da Casa Civil. Ela beneficiou-se da transferência de votos por parte de Lula, então um líder popular consagrado, e foi apresentada ao país como “Mãe do PAC”, referência ao Programa de Aceleração do Crescimento, menina dos olhos do governo Lula por causa de obras de infraestrutura que comandava. Dilma continua sendo uma figura respeitada dentro e fora do Partido dos Trabalhadores, mas, politicamente, continua à sombra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já deflagrou um périplo pelo país em pré-campanha para o Palácio do Planalto nas eleições de 2022.