Nonato Guedes
Não há como ignorar a habilidade política com que o ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, se move para atrair e envolver o Partido dos Trabalhadores nos seus projetos e interesses pessoais. Lá atrás, para sustentar a ambição de se candidatar a prefeito de João Pessoa, ele agiu para que fosse desfiliado do PT e ingressasse numa legenda que o aceitasse como protagonista, não como coadjuvante. Saiu do PT atirando e entrou no PSB criando confusão, ao provocar a perda do controle da legenda pela advogada Nadja Palitot. A estratégia deu certo e Coutinho foi vitorioso à prefeitura, daí alçando ao governo do Estado por dois mandatos. Numa reviravolta espetacular, ele agora faz o caminho de volta ao PT, com as bênçãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na Paraíba acende uma vela ao governador João Azevêdo (Cidadania) e outra ao ex-governador, tratado pela cúpula nacional como “filho pródigo”.
A meta de Ricardo, agora, é concorrer a uma vaga ao Senado nas eleições do próximo ano, surfando no prestígio e na popularidade que o ex-presidente Lula vem demonstrando até agora no seu próprio projeto de retornar à presidência da República, derrotando Jair Bolsonaro, o candidato das forças conservadoras ou retrógradas. O mimetismo político de Ricardo é um fenômeno impressionante para quem acompanha sua trajetória ou o histórico de declarações suas. Mais afeito a cargos executivos, como ficou patente na desenvoltura com que agiu à frente da prefeitura da Capital e do Palácio da Redenção, Coutinho até então desdenhava da hipótese de vir a ser senador. Descobriu, entretanto, que pode dispor de uma tribuna importante, tanto mais importante se conseguir sustentar a candidatura e triunfar nas urnas e, em paralelo, contemplar a volta triunfal de Lula ao Planalto.
Como a cada movimento político de Ricardo corresponde uma “vítima”, ou mais de uma, a bola da vez poderá ser o deputado estadual Anísio Maia, na agulha para ser julgado pelo diretório nacional petista por alegada infidelidade partidária, leia-se: pela ousadia de empalmar uma candidatura própria a prefeito de João Pessoa em 2020, quando Lula e a cúpula nacional petista queriam, a todo custo, que a legenda apoiasse Coutinho, mesmo estando ele nos quadros do PSB. Em tese, não há guarida para uma punição contra Anísio, que representou no pleito a bandeira da candidatura própria, em coligação com o PCdoB, outro partido da faixa da esquerda, e cuja candidatura seguiu trâmites da legislação vigente na época. Houve um porém em relação à candidatura de Anísio: o veto da Executiva Nacional, que pode mais que as direções municipais ou estaduais. Os fatos mostram que, mesmo que a candidatura de Anísio fosse retirada, o PT não seria vitorioso com Ricardo, que nem para o segundo turno foi. Mas Anísio cometeu a heresia de desafiar o Olimpo petista e a ira santa de Lula.
O PT, como é praxe, não se interessou em fazer uma autocrítica correta do pífio desempenho da candidatura de Anísio nas eleições a prefeito de João Pessoa. Se quisesse ser honesto e partir para o “mea culpa” o PT comprovaria que tanto o partido como a liderança de Ricardo estavam debaixo de profundo desgaste perante a opinião pública da Paraíba – o primeiro, por causa do escândalo do mensalão, do impeachment de Dilma Rousseff e, sequencialmente, da prisão de Lula por 580 dias; o segundo, a braços com denúncias em processos da chamada Operação Calvário, versando sobre desvio de verbas da Saúde e da Educação no Estado, conforme investigação do Ministério Público. A conjunção de fatores era altamente desfavorável, tanto para o petismo como para Ricardo, e não havia milagre sobrehumano que conseguisse fazer Ricardo ascender, novamente, ao comando da prefeitura pessoense em 2020.
O deputado Anísio Maia entra nesse enredo como bode expiatório de derrotas anunciadas – a do PT e a do ex-governador Ricardo Coutinho. A continuidade do processo intentado contra ele pela cúpula nacional petista demonstra a voracidade com que líderes petistas procuram “cabeças” para sacrificar, com isto fugindo de responsabilidades por condutas inapropriadas, até mesmo antidemocráticas, que foram assumidas em processos recentes da disputa política na Paraíba. O ex-presidente Lula, lamentavelmente, é o avalista maior das incoerências que estão sendo cometidas e que estão ajudando a escrever uma página melancólica da trajetória petista no Estado. Lula age assim porque é quem realmente manda no PT e porque tem dívida de gratidão a quitar com Ricardo. Petistas históricos não têm serventia diante de ambições maiores que estão em jogo e do maquiavelismo que as inspira.
Alguns episódios ocorridos na Paraíba e em outros Estados, envolvendo lideranças com influência e até mesmo hegemonia de poder dentro do Partido dos Trabalhadores, estão escancarando para a opinião pública as profundas contradições em que se alicerça o projeto de poder construído pela legenda que luta pelo protagonismo contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. O petismo, pela sua cúpula maior, joga fora princípios e posturas pelas quais finge cultivar, em nome da necessidade de embarcar no projeto obsessivo de retomada do poder, simbolizada pela volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto e à cena nacional. As contradições anulam a possibilidade de um debate mais produtivo para o próprio processo político. Mas para Lula, para o PT e para Ricardo Coutinho, o poder está acima de tudo.