Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro, para compensar a dificuldade que tem em governar o País, volta a comandar o espetáculo “golpista” contra ministros do Supremo Tribunal Federal, representantes de outras instituições e governadores alinhados com a oposição, principalmente os do Nordeste, que ele sabe ser “campo minado” para seu projeto de tentar reeleger-se no próximo ano. Desta feita, Bolsonaro agita “fantasmas” para confundir e intimidar setores da opinião pública com a reiterada convocação a apoiadores de atos do Sete de Setembro. As manifestações que têm o aval do presidente não podem ser consideradas como atos em defesa da democracia; pelo contrário, sugerem exortações à indisciplina, à balbúrdia e ao desrespeito à legalidade. Por trás da orquestração barulhenta, como é do estilo de Bolsonaro, desponta o revanchismo contra os freios e contrapesos que têm sido colocados pelo Judiciário na trilha da escalada autoritária que ele persegue.
É impressionante a desfaçatez com que Bolsonaro manipula palavras vazias com o objetivo de distorcê-las a seu favor. Ele tenta, a todo custo, ser admitido no papel de suposta vítima de uma conspiração por alegados interesses contrariados, mas são notórias as suas dificuldades para encarnar o figurino, até porque quem age ostensivamente contra a legalidade democrática, o chamado Estado de Direito, é ele. Obcecado por tentações autoritárias que são da sua índole ou da sua formação, o presidente é incapaz de dialogar com quem quer que seja, como foi incapaz de liderar o País no desafio de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Ainda há pouco ignorou solenemente as reivindicações de gestores estaduais e de autoridades do Judiciário e do Legislativo em prol de uma conversa institucional que se fazia imperativa e urgente para a solução de conflitos no horizonte. O Brasil vive uma situação peculiar no contexto internacional porque o seu presidente da República também não dialoga ou não se entende com governantes de outros países. Ou seja, Bolsonaro se fecha em copas, internamente e externamente.
Curioso é que venha a invocar princípios democráticos, quando os desrespeita constantemente, quando afronta as quatro linhas da Constituição em que garante estar situado, numa das mais sórdidas e equivocadas exegeses que já foram feitas por figuras de expressão política sobre a letra da lei. A comparação com o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra é inevitável, em termos de contraponto – Dutra, que era militar, foi obcecado pelas linhas da Carta Magna. Sempre que confrontado com medidas polêmicas e de repercussão que teria que tomar, indagava a interlocutores se elas estavam escritas ou inscritas no “livrinho”, que era sua Bíblia de cabeceira – a Constituição, com todos os defeitos que ela tivesse. Havia, em relação a Dutra, pelo menos essa aura de “legalista”, o que nunca houve em relação a Jair Bolsonaro, a partir da análise da sua passagem pelas Forças Armadas, onde já traía instintos hostis à Lei e à ordem.
No intuito de reforçar os apelos por adesão à escalada golpista que desencadeia freneticamente e em tempo integral, o presidente da República mistura demagogia com ameaças que, por via das dúvidas, precisam ser levadas em consideração porque a sociedade não está lidando com um líder consciente dos seus deveres ou das suas responsabilidades, mas com uma expressão caricata e calculadamente insciente da parte que lhe cabe e dos papéis que deve exercer se deseja, realmente, concluir o tumultuado mandato que empreende. Basta sublinhar um trecho das suas últimas afirmações para avaliar o grau de paroxismo de que Bolsonaro está possuído. É aquele em que diz: “Na Constituição temos tudo o que precisamos. Mas se alguém quiser jogar fora das quatro linhas, nós mostraremos o que poderemos fazer também”. Se não for um ultimatum contra a legalidade democrática, que mais pode ser?
Bolsonaro, de caso pensado e, muitas vezes, de forma subliminar, dirigindo-se prioritariamente aos seus seguidores fanáticos das redes sociais, tenta se fortalecer artificialmente, numa estratégia concebida, também, para desviar a atenção da opinião pública minimamente informada quanto ao desastre que tem pontuado a sua plataforma de governo. Ele gosta de propagandear supostas grandes obras de impacto que estariam sendo executadas em plena pandemia de Covid-19, mas o cronograma das tais obras não avança na urgência exigida pela sociedade para compensar as restrições enfrentadas pelo processo de crescimento da economia, inclusive porque o presidente pensa mais em “golpe”, em protestos de rua a favor dele e do governo, do que nos graves interesses da Nação.
Não se pense que o “script” vai mudar, em essência, para melhor, daqui para a frente. A perspectiva de uma batalha eleitoral contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agravará o tom dos bolsonaristas, acentuando o verniz da radicalização que poderá afetar profundamente os sinais de recuperação econômica e social em que segmentos da sociedade estavam apostando fichas. O impeachment de Bolsonaro, que poderia ser antídoto à continuidade da crise, parece definitivamente descartado no radar político-institucional brasileiro. Talvez isto lhe tenha dado mais fôlego para estimular provocações e para retroalimentar o estado de confronto que tanto parece interessar à sua estratégia com vistas à eleição presidencial de 2022, cujos contornos fundamentais ainda estão longe de serem definidos. Enquanto isso, o país continuará sob tensão, com a governabilidade por um triz, conforme já desconfiam investidores e representantes do capital nacional.