Nonato Guedes
O deputado estadual Anísio Maia, do Partido dos Trabalhadores, que está sendo julgado pela cúpula nacional acusado de suposta infidelidade por ter assumido a candidatura própria a prefeito de João Pessoa em 2020, contrariando orientação do DN pelo apoio à candidatura do ex-governador Ricardo Coutinho, então PSB, já presidiu o diretório estadual petista por duas vezes e foi um dos fundadores do PT nacional, no começo da década de 80, em São Paulo, juntamente com Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra e outros líderes políticos, sindicalistas e representantes de vários segmentos sociais. Ele dirigiu o partido de 1992 a 1997, sendo membro, também, do diretório nacional. Nesse papel, Maia coordenou as campanhas de Lula em 94, 98 e 2002.
Anísio foi testemunha e participante de embates memoráveis que pontuam o histórico do Partido dos Trabalhadores no país e, especialmente, na Paraíba, com discussões acirradas sobre alianças eleitorais, vetos a alianças, critérios táticos e planejamento estratégico sobre organização e fortalecimento da legenda. O PT marcou presença na Paraíba já nas eleições a governador em 1982, quando lançou o advogado Derly Pereira para disputar o Palácio da Redenção, “imprensado” entre dois grandes líderes da política local – Wilson Braga, que foi eleito pelo PDS, e Antônio Mariz, dissidente do regime militar, que concorreu pelo PMDB. No livro sobre a trajetória do PT no Estado, Paulo Giovani Antonino Nunes lembra que nos primórdios da fundação do PT as mudanças eram muito tímidas. Basicamente se passou a aceitar aliança com partidos de esquerda, contudo as negociações com qualquer partido fora desse campo ainda eram muito difíceis, mesmo para receber apoios.
Giovani Antonino recorda, no livro, que no segundo turno das eleições presidenciais de 1989, quando setores do PMDB quiseram apoiar a candidatura de Lula contra Fernando Collor de Mello, não foram bem aceitos pelo Partido dos Trabalhadores. Havia uma mistura de radicalismo com desconfiança – no primeiro caso, alguns militantes do PT estavam tomados pela utopia de construir um partido “quimicamente puro”, sem os vícios dos partidos tradicionais que tanto combatiam e, no segundo caso, foi posto em marcha um filtro rigoroso para admitir filiações ou para dialogar com outras siglas. Na Paraíba, há casos bastante conhecidos, que tiveram destaque na mídia nacional. Setores do PT foram contrários a aceitar apoio de Antônio Mariz, que era um reformista e um político sério, da mesma forma como rejeitaram ensaios de Marcondes Gadelha para se filiar ao partido, mesmo com a trajetória dele no grupo “autêntico” contra a ditadura militar. Gadelha foi esnobado pelos xiitas do PT paraibano como “burguês” por ser filho do usineiro José de Paiva Gadelha, da cidade de Sousa, e nem depoimentos de líderes nacionais petistas favoráveis a ele atenuaram os vetos.
Da mesma forma, petistas se engalfinharam na Paraíba por causa de proposta de aliança com a deputada Lúcia Braga, por ela ser esposa do ex-governador Wilson Braga, remanescente do PDS e da Arena, embora o ex-governador do Rio, Leonel Brizola, tenha vindo a João Pessoa abonar a ficha de filiação de Wilson e de Lúcia no PDT, que então se organizava dentro do campo da esquerda e das forças democráticas do país. A partir de 1992 as mudanças no interior do PT se tornam mais substanciais, quando Anísio Maia foi eleito o novo presidente regional do partido, apoiado pela Articulação, que, naquele momento, não tinha condições de vencer sozinha uma eleição interna. O próprio Anísio registrou em depoimento: “Quando fui candidato pela primeira vez, eu era independente e fui apoiado pela Articulação. Eles foram obrigados a me apoiar porque me lancei candidato. Se a Articulação lançasse um candidato perdia, então teve que se compor com meu grupo, que era chamado PT pela Base, para poder evitar a vitória das pessoas de ultra-esquerda”. A Articulação perdeu força quando alguns de seus membros tiveram derrotas eleitorais em 90, como Derly e Agamenon Vieira, para vereador.
Após o Encontro Estadual que elegeu Anísio Maia presidente do partido na Paraíba, o ex-presidente provisório Júlio Rafael (falecido) publicou um artigo na imprensa analisando o evento e dizendo que o PT iria concorrer em 80 municípios nas futuras eleições, sendo que em mais de 15 iria sair coligado com outros partidos. Na sua opinião, o PT-PB dava mostras de amadurecimento político, combinando sua perspectiva de consolidação partidária com a disputa de poder local. Já Anísio Maia, como presidente eleito., disse que o PT vivia uma nova fase com a renovação de seus diretórios. “Houve um aprofundamento do processo, que foi iniciado no primeiro congresso do partido. Está acentuado um perfil que privilegia a interlocução com a sociedade civil”, frisou. A seu ver, a legenda estava mais maleável à discussão sobre composições partidárias. “Abandonamos certa arrogância em relação a outras forças políticas e nos tornamos interlocutores ativos dos mais diversos problemas vividos no Brasil”, fechou.
O deputado Anísio Maia, no início de sua trajetória, foi militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR, participando de lutas estudantis secundaristas até 1972, quando foi obrigado a se ausentar da Paraíba, por perseguição que lhe foi movida pelo regime militar instaurado em 64, a chamada longa noite das trevas. Preso e respondendo a diferentes processos, quando cursava no Recife Medicina Veterinária na Universidade Federal Rural de Pernambuco, ele se engajou em causas que mobilizaram segmentos expressivos da sociedade contra o arbítrio instaurado. Sua migração para o Partido dos Trabalhadores foi uma consequência natural do perfil coerente que sustentou. A candidatura de Anísio a prefeito de João Pessoa em 2020 foi um ato jurídico perfeito, inquestionável, conforme demonstrado nos processos em que ele vitoriou contra a cúpula nacional. Uma das alegações do PT para puni-lo é que ele ficou em nono lugar no páreo final, com 1,49% dos votos. Com a desculpa, o partido evita informar que nas condições de temperatura e pressão a que ele foi levado não havia vento bom para a sua caminhada. O partido prefere exaltar Ricardo Coutinho, que nem sequer foi para o segundo turno. A ideia que fica é de que está sendo cometida uma profunda injustiça do PT para com um filiado histórico, em meio ao “julgamento” que a cúpula nacional conduz com afinco a partir de Brasília, sob as bênçãos e a cumplicidade do ex-presidente Lula.