Nonato Guedes
Ignorando episódios históricos que lastrearam a Proclamação da Independência do Brasil neste Sete de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro protagoniza hoje mais um capítulo da “aventura golpista” em que tenta enredar o País com o achincalhe e o desrespeito às Instituições e Poderes constituídos, revelando seu total desapreço pela democracia e sua vocação para os arrufos de anarquismo, misturados com o histrionismo de gestos e atitudes que já são peculiares à sua figura patética, caricata. Há preocupações, claro, porque Bolsonaro não age sozinho e tenta mobilizar a rede de apoiadores fanáticos e sem noção que ainda o acompanham na penosa trajetória à frente dos destinos do Brasil. O receio é de convulsões sociais, em meio a atos de violência incentivados pelo próprio mandatário, grande mentor de um circo tanto mais macabro porque está em vigor uma pandemia de coronavírus. Para a democracia, é mais um duro teste a ser vencido.
Aliás, o Brasil entrou no radar das preocupações de líderes mundiais, sejam governantes ou personalidades influenciadoras de opiniões, diante do clima de ameaça à democracia e da perspectiva de radicalização política por parte de Bolsonaro e seus seguidores. Uma carta aberta firmada por representantes de todo o mundo alertou para o risco de uma “insurreição” e deixou claro que a comunidade internacional não irá tolerar qualquer ruptura democrática. Sabe-se que a atmosfera de tensão no Brasil terá monitoramento por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e também que organismos estrangeiros se mobilizam para acompanhar a situação. Os signatários da carta ressaltam que estão vigilantes para defender as instituições democráticas do Brasil antes e depois do Sete de Setembro. O manifesto lembra que o país tem lutado por décadas por proteger a democracia de um regime militar e salienta que o atual presidente Jair Bolsonaro não deve ter permissão para roubá-la.
Alerta que Bolsonaro e seus aliados, incluindo grupos supremacistas, policiais militares e funcionários públicos, em todos os níveis de governo, insinuam uma marcha nacional contra a Suprema Corte de Justiça e o Congresso Nacional nesta terça-feira, alimentando temores de um golpe na terceira e maior democracia do mundo. Alerta o texto: “O presidente Bolsonaro intensificou seus ataques às instituições democráticas do Brasil nas últimas semanas. Em 10 de agosto, ele dirigiu um desfile militar sem precedentes pela capital, Brasília, enquanto seus aliados no Congresso promoviam reformas radicais no sistema eleitoral do país, considerado um dos mais confiáveis do mundo”. A recapitulação de gestos ameaçadores refere-se à atitude de Bolsonaro, por várias vezes, de insinuar orquestração para o cancelamento das eleições presidenciais de 2022, como represália por ter sido derrotada no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional do Voto Impresso, mecanismo defendido ardorosamente pelo titular do Palácio do Planalto como contraponto às urnas eletrônicas, cuja segurança foi atestada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em paralelo com a sua confiabilidade.
Bolsonaro tentou vender à opinião pública internacional a ideia de que há fraude no processo eleitoral vigente no Brasil, uma cruzada que soou estranha tendo em vista que em 2018 ele foi eleito com base nas regras desse processo, como, de resto, delas se beneficiou em todas as disputas do mandato de deputado federal, sem que fizesse qualquer contestação. A ofensiva do presidente, conforme análise nos meios políticos, é uma espécie de ameaça prévia de que não aceitará eventual derrota no pleito do próximo ano. O seu governo enfrenta índices notáveis de rejeição e a base de sustentação política do presidente no Congresso esfarelou-se, apesar do alto investimento feito pelo Palácio do Planalto na cooptação de apoios parlamentares a projetos do seu interesse. Para piorar as coisas para Bolsonaro, a Justiça pôs em liberdade o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e garantiu sua elegibilidade no próximo ano. Como reflexo, Lula já lidera pesquisas de intenção de voto, em algumas delas com folgada margem.
Membros do Congresso no Brasil advertem que a mobilização convocada pelo presidente da República para este Sete de Setembro teve como modelo a insurreição verificada em Washington, capital dos Estados Unidos, em seis de janeiro deste ano, quando o então presidente Donald Trump encorajou seus partidários a “parar o roubo” com falsas alegações de fraude em eleições presidenciais de 2020. Aqui no Brasil, depois de prometer apresentar provas robustas de fraudes que teriam ocorrido nas eleições de 2014, Bolsonaro recuou, desmoralizado, admitindo não ter as mencionadas provas de que fez tanto alarde, mas insistindo na narrativa de hipotéticas manobras para prejudicá-lo nas eleições que o calendário assinala para outubro de 2022, quando ele deverá tentar a reeleição. A revista “Veja”, em matéria de capa, diz que o comportamento incendiário do presidente produz estragos na economia, em uma incompreensível estratégia de sabotagem do seu próprio governo e de suas chances de reeleição.
Diante do cenário de provocações e tumultos, alimentado em grande parte pelo presidente e sua rede de apoiadores, atuante principalmente, no território digital, o consenso entre líderes políticos de expressão do País e, também, do exterior, é de que as manifestações de hoje constituirão um duro teste para a sorte da democracia brasileira. Oficial militar sem brilho e político originário do baixo clero, que vitoriou em 2018 empalmando o discurso de suposto “outsider”, Bolsonaro já deixou claro que não tem compromisso com a democracia nem com o funcionamento das instituições. Ataca ministros do Supremo, polemiza com governadores, xinga congressistas e faz a apologia ostensiva de atos de exceção adotados na ditadura militar que vigorou por 21 anos. É uma figura tóxica. Bolsonaro faz mal ao Brasil e, no auge do desespero, tenta ferir de morte a legalidade democrática conquistada a duras penas. Somente a vigilância da sociedade e o apoio internacional podem estancar a escalada golpista que segue em ritmo alucinante.