Nonato Guedes
Que Conselho da República que nada! Quem salva a pele de Jair Bolsonaro em momentos difíceis é, por incrível que pareça, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que ascendeu à cadeira do Planalto com o impeachment de Dilma Rousseff (PT), contra a qual conspirou abertamente, segundo patenteado em livros de História. Ontem, acuado depois dos ataques insanos que proferiu no Sete de Setembro contra o Supremo Tribunal Federal e ministros da Corte, o capitão “amarelou”, ensaiou pedido de desculpas, falou de ‘mal-entendidos’ e se disse obediente às leis. Na nova pantomima que orquestrou, Bolsonaro recorreu, pela segunda vez, aos préstimos de Temer, levado a Brasília em avião da FAB para “aconselhar” o capitão reformado e tentar aliviar mais uma crise artificial provocada a um custo econômico, político e institucional muito elevado para o país.
Em relato na página de política do G1, o jornalista Octavio Guedes lembra que Temer já salvou Bolsonaro com uma carta em 1999. No dia 26 de maio daquele ano, quando Bolsonaro estava acuado, com medo de perder seu mandato por pregar um golpe, Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, montou uma operação com o Centrão e o salvou da cassação. Exatamente como agora. Num domingo à noite, há 22 anos, numa entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso Nacional. A esquerda e o presidente FHC trataram Bolsonaro com o desdém de sempre. Simplesmente ignoraram aquele que viam um deputado do baixíssimo clero sem perspectiva de poder. “Hoje, pode-se dizer: um Tiririca Raivoso”, narra o jornalista. Na segunda-feira, a reação partiu do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, o ACM.
“Não vi a entrevista e não tenho porque ver essas loucuras, mas se o deputado confirmar tais declarações, deveria ter seu mandato cassado”, defendeu ACM. Na época, Temer entrou em campo para salvar Bolsonaro, entre outras razões, porque queria contrariar ACM. Ele achou uma intromissão o presidente do Senado dar palpite no seu território. O corregedor da Câmara, Severino Cavalcanti, foi quem executou a absolvição de Bolsonaro. E a ideia de Temer e Bolsonaro foi a mesma de agora: uma “carta salvadora”. No texto da carta entregue a Temer, Bolsonaro se retrata sobre o tom das declarações e pede desculpa pelos excessos. Resumo da história: não houve cassação. Mais curioso ainda é o que conta o repórter Rudolfo Lago na edição de O Globo de 26 de maio de 1999. “Temer está reproduzindo exatamente o que já fez há quatro anos o ex-presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, que advertiu Bolsonaro quando ele também pediu o fechamento da Câmara”.
O G1 recapitula que Luís Eduardo Magalhães era filho de ACM, o “rei da Bahia”. Já o corregedor Severino Cavalcanti mais tarde se tornou presidente da Câmara Federal, derrotando cabeças coroadas do Partido dos Trabalhadores que mantiveram postulações em clima de intransigência e radicalização, levando à divisão que favoreceu o parlamentar pernambucano. Severino Cavalcanti não completou o mandato porque descobriu-se que ele cobrava propina, uma espécie de mensalinho de um restaurante que funcionava dentro da Câmara dos Deputados. O então deputado Fernando Gabeira, que foi uma das vozes mais ativas na mobilização pela derrubada de Severino Cavalcanti, não lembra do valentão Bolsonaro na luta. “Dizem que a história se repete como farsa, mas, no caso de Bolsonaro, se repete como covardia mesmo”, alude Octavio Guedes em seu blog, fazendo analogia com os acontecimentos das últimas horas, em que Bolsonaro bateu “pino” depois de ter comandado manifestações em Brasília e São Paulo e ter ameaçado incendiar o País, o que felizmente não ocorreu, apesar dos incidentes pontuais protagonizados por apoiadores fanáticos.
Ontem, o presidente Bolsonaro fez uma declaração à Nação em texto que foi divulgado amplamente e no qual garante que nunca teve a intenção de agredir qualquer dos Poderes. “A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar (…) Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda” a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia. Por isso, quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum (…) Essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Artigo 5 da Constituição Federal. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país”.
Resumo da ópera: não dá para levar Bolsonaro a sério!