Nonato Guedes
Embora não haja sinais de “ensaio combinado”, a verdade é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anteciparam em praticamente um ano a disputa pelo Planalto que vão travar em outubro de 2022. A pauta da eleição presidencial está colocada, quer em atos públicos, nas manifestações de Sete de Setembro das quais Bolsonaro procurou tirar o máximo proveito, inclusive atacando instituições e Poderes constituídos, quer na mobilização cautelosa que Lula empreende, no périplo por Estados, como aconteceu no Nordeste, assegurando apoios que possam reforçar seu projeto de voltar ao poder. Com a estratégia em curso, Lula e Bolsonaro estão conseguindo o grande e único objetivo que os une – bloquear a chamada terceira via.
Os espaços, em termos concretos, estão se fixando no rumo da polarização entre esquerda e direita, tendo malogrado, até agora, os balões de ensaio na direção do fortalecimento de uma candidatura de centro. Até porque, maquiavelicamente, o núcleo que apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem abrindo frentes de diálogo com forças políticas conservadoras e com segmentos empresariais para ampliar o leque indispensável para respaldar uma nova candidatura à presidência da República. Nas viagens por alguns dos Estados mais importantes do Nordeste, Lula agiu como mediador de conflitos regionais no bloco de esquerda e estreitou laços com partidos ao centro e à direita liberal, confraternizando-se com expressões do ‘coronelismo’ político remanescentes de fases decisivas da história política brasileira recente.
O que também atrapalha a terceira via, além dos movimentos ostensivos de Lula e de Bolsonaro, é a dispersão, misturada com falta de unidade, nesse território que pretende quebrar o maniqueísmo político. Partidos como o PSDB, que já plebiscitaram disputas com o próprio Partido dos Trabalhadores, estão visivelmente fragmentados e enfraquecidos para a corrida eleitoral de 2022, engolfados, mesmo, pela iniciativa de realização de prévias internas para dirimir choques entre tendências e nomes que tentam se credenciar para representar as cores tucanas. Dois governadores de Estados de destaque – João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) vão competir pela indicação oficial para entrar no páreo, sendo que não há garantia de coesão no pós-prévias. A falta de perspectiva ocasiona “rachas” em outros partidos, que se deixam atropelar por discussão de nomes e com isso ficam impossibilitados de apresentar propostas que configurem alternativas às opções que são oferecidas – ou seja, Lula e Bolsonaro.
Um exemplo do impasse verificado fora do arco da polarização dá-se com o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, velho conhecido do eleitorado brasileiro por causa de batalhas de que já participou rumo à presidência da República, sem que tenha conseguido, sequer, ir para o segundo turno, contra quem quer que seja. Nesse caso, o problema não parece estar na sigla ou no perfil político-ideológico que ela represente no contexto nacional, mas no candidato-personagem, que tem um estilo belicoso na relação com agremiações de esquerda, o que dificulta a atração de adesões. Há uma birra particular de Ciro Gomes com o Partido dos Trabalhadores, que não cessou nem mesmo quando o ex-presidente Lula estava preso, na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. E entre tantas “Senas” acumuladas entre o PT e Ciro, ressalta-se o fato de que no segundo turno da campanha de 2018, quando o PT precisava agregar apoios a Fernando Haddad no embate contra o “fenômeno” Bolsonaro, Gomes preferiu ir passear no exterior a se envolver nas articulações que reconfiguraram o quadro para aquela disputa.
No que diz respeito a manifestações de rua, os discípulos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão mais comedidos para evitar fiascos como os de ontem, em inúmeras Capitais. A cautela não é ditada apenas pelas medidas preventivas diante da pandemia da covid-19, que já registra o surgimento de outra variante no cenário, mas também pela necessidade de segurança estratégica quanto à participação popular em atos públicos. A perspectiva de uma revanche aos atos do Sete de Setembro protagonizados por militantes bolsonaristas fanáticos ainda está sendo amadurecida nas hostes petistas, de modo a que haja uma demonstração de força sem violência e sem intimidação, coroando uma estratégia que deseja se apresentar como legitimamente democrática, ao contrário do perfil que balizou a movimentação das hostes bolsonaristas no Dia da Independência do Brasil. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, o PT aprendeu táticas de mobilização que possam lhe render apoios e adesões.
Mas, independente de mobilizações de rua gigantescas na etapa atual do processo político brasileiro, é fora de dúvidas que Lula e Bolsonaro estão em campanha para a presidência da República, aproveitando brechas que a legislação confere no ano não-eleitoral que vivemos. Claro que as expectativas maiores estão focadas na definição de regras do processo de disputa no âmbito do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado). O próprio presidente Jair Bolsonaro precisa definir um partido para chamar de seu e pelo qual possa concorrer nas eleições de 2022, enquanto Lula da Silva corre para definir o nome de um candidato a vice que possa ampliar a sua retaguarda no confronto que não será fácil. Enquanto as definições inevitáveis não despontam, há duas constatações; 1)a polarização Bolsonaro X Lula está sacramentada; 2) O impeachment de Bolsonaro não deverá prosperar, a não ser nas urnas.