O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, afirma em seu blog na revista “Veja”, intitulado “A democracia de Bolsonaro”, que o atual presidente da República imagina ter poderes dos líderes de países totalitários. “Ele (o presidente) tem reiterado seu compromisso com a democracia e as regras da Constituição, mas se contradiz com ações que denunciam projetos autoritários e golpistas. Além disso, seus ataques a juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e a inédita petição para que o Senado decretasse o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, rejeitado pelo presidente da Casa, ferem princípios de independência e harmonia entre poderes, que são inerentes à democracia”, sustenta Maílson, que foi ministro no governo de José Sarney.
Para o economista, Bolsonaro mostra não entender como funcionam as instituições nem os limites dos seus poderes. Daí dizer que “eu sou a Constituição”, “com minha caneta tudo pode acontecer” e por aí afora. Invoca equivocadamente o artigo 142 da Carta Magna, que versa sobre as atribuições das Forças Armadas, imaginando que os militares poderiam apoiá-lo na aventura de um golpe. “Nessa mesma linha – prossegue Maílson – declarou que estaria “nas mãos das Forças Armadas o poder moderador”, do qual derivaria a “certeza da garantia de nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente, para o bem da nação”. Bolsonaro ainda acrescentou: “Democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas assim o querem”.
Maílson lembra que o poder moderador, idealizado pelo escritor francês Benjamin Constant (1767-1830) era o principal entre os cinco que ele propôs. Podia sobrepor-se aos demais, cabendo-lhe promover o equilíbrio dos outros quatro. A Constituição brasileira de 1824 o incorporou como o quarto poder. O imperador poderia dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir ministros de Estado. Mas o poder moderador não consta da Carta de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, nas palavras do deputado federal Ulysses Guimarães. Maílson frisa que o voto livre é elemento essencial da democracia, mas esta não pode ser definida com precisão. “Na acepção etimológica, democracia é o governo do povo. A Wikipedia cita estudo que identificou 2.234 formas de descrever a democracia na língua inglesa, e o cientista político Rafael Cortez prefere definir a democracia como “o regime em que os governos perdem eleições”. Baseia-se em estudos de outro cientista político, o polonês Adam Przeworski.
Nóbrega considera que foi inglória a insistência do presidente Jair Bolsonaro na adoção do voto impresso, usando o argumento de que, sem ele, não vai ter eleição em 2022. A proposta foi derrotada no Congresso e, para Maílson, Bolsonaro revelou, mais uma vez, a dificuldade de entender a extensão de seus poderes. Exemplifica: “A matéria é constitucional e não de ato presidencial”. Para o ex-ministro, no fundo, Bolsonaro entende que a democracia lhe permitiria intervir no sistema político e no Supremo Tribunal, como já deu a entender, ou usar a caneta para emitir atos que extravasam sua competência formal. E acentua: “Máxima ironia, sua interpretação se aproxima de paradoxos encontráveis em regimes comunistas. Por exemplo, a Alemanha Oriental se denominava República Democrática Alemã. A Coreia do Norte, notável pela sobrevivência do regime, intitula-se República Popular Democrática da Coreia. Mao Tsé-Tung definia o comunismo da China como “democracia ditatorial”. E conclui Maílson: “Os poderes que Bolsonaro pensa ter são os de líderes de países totalitários”.