O centenário do pensador pernambucano Paulo Freire (1921-1997), o patrono da Educação brasileira, celebrado neste domingo, registrará homenagens e celebrações, com exposições e programas em homenagem ao idealizador da “Pedagogia do Oprimido”, que é reconhecido internacionalmente e que no Brasil ainda sofre restrições de expoentes da extrema-direita. Durante a pandemia de coronavírus, as ações ofensivas ao educador diminuíram no Brasil, mas, mesmo assim, o Movimento Nacional de Direitos Humanos entrou com ação na Justiça Federal do Rio de Janeiro para impedir que o governo federal promova “movimentos desqualificadores” contra Paulo Freire nas celebrações dos seus 100 anos.
A juíza Geraldine Vital acatou a decisão e deferiu liminar proibindo o governo de Jair Bolsonaro de praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade do professor paulo Freire. No mundo inteiro, enquanto isso, o prestígio do pedagogo só faz crescer, cem anos depois do seu nascimento, em função do trabalho revolucionário que empreendeu para a alfabetização de adultos em situação vulnerável, sobretudo a partir de regiões como o Nordeste brasileiro. O modelo didático de Paulo Freire foi exportado por inúmeros países e apenas em setembro um único livro dele foi citado em 23 outros livros e artigos acadêmicos no mundo inteiro, conforme informações da Folha de São Paulo. A sua trajetória teve a educação como prática da liberdade. O biógrafo Sérgio Haddad, autor de “O Educador: Um perfil de Paulo Freire” afirmava que ele era “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”, aludindo aos trabalhos de conscientização que empreendeu.
Ele foi um adversário feroz do que chamava de “educação bancária”, classificando o professor como a pessoa que detém o conhecimento e o aluno um depósito de suas ideias. Para o pedagogo, ensinar era uma jornada que partia da experiência de vida do aluno e do que ele conhecia, desenvolvendo o senso crítico dos estudantes. Paulo Freire experimentou 15 anos de exílio por causa do seu Plano Nacional de Alfabetização, que previa a formação de educadores em massa e a rápida implantação de 20 mil círculos de cultura, o que foi tido como uma ameaça pela ditadura militar instaurada em 1964 e que durou 21 anos, pelo potencial de “revolta dos menos favorecidos”, caso as massas desenvolvessem senso crítico. Freire publicou diversos livros e artigos, passou por inúmeros países e se tornou o brasileiro com mais títulos honoris causa pelo mundo, alguns deles concedidos “in memoriam” (depois de sua morte) por universidades do Brasil e do exterior.
Nos anos de 2016, o especialista em estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem Elliott Green, professor da London School of Economics, fez um levantamento no Google Scholar e elencou “Pedagogia do Oprimido” como a terceira obra mais citada em trabalhos nas áreas de humanidades no planeta, com mais de 72.359 citações feitas até então. As celebrações agendadas para hoje terão destaque em Recife, mediante eventos virtuais e em São Paulo o Itaú Cultural realiza a “Ocupação Paulo Freire”. O Interculturalidades: Primaverar, Viver Freire vai ocupar as redes sociais do Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense. A Assembleia Legislativa de Pernambuco preparou ima ampla programação com a inauguração do memorial em homenagem ao educador, na biblioteca da ALPE, com aposição de uma placa alusiva a Freire.
Em declarações ao UOL Notícias, a educadora da rede pública do Rio Grande do Sul Margarete Nara da Silva revela: “Paulo Freire tinha o pensamento de que todo mundo deve externar o conhecimento que tem. O aluno deve ser crítico, questionar. O professor deve ser o mediador, para trazer à tona, quando necessário for, a criticidade. E eles realmente absorveram esta posição e sabem executá-la”. Paulo Freire desenvolveu programas de alfabetização em diversos territórios, inclusive países da África como Moçambique e Guiné-Bissau e da América Latina, dentre os quais Chile e Nicarágua. “O que fizemos durante a Cruzada Nacional de Alfabetização, no começo dos anos 1980, enalteceu a nação e todos que participaram daquele momento histórico”, conta a nicaraguense Leonor Chiang Gonzalez. “As brigadas voluntariamente se formaram atuando nas cidades e no interior e o analfanetismo caiu drasticamente”. De acordo com ela, a redução foi de 52% para 12,9%. No Brasil, o patrono da Educação elaborou o Plano Nacional de Alfabetização tendo como inspiração uma experiência anterior, na qual ele conseguiu ensinar 300 adultos a ler e a escrever em 45 dias no Rio Grande do Norte.
O presidente João Goulart havia programado a implantação de um projeto de formação de educadores em massa, com os 20 mil núcleos de cultura, mas o golpe civil-militar de 1964 enterrou essa possibilidade e encarcerou o pedagogo por 70 dias. Freire foi classificado como “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”, segundo os documentos oficiais da época. Quando recuperou a liberdade, partiu para o exílio, de onde foi lançado seu livro mais lido “A Pedagogia do Oprimido”, retornando ao Brasil somente na década de 1980, com a gradual reabertura do país. Anos mais tarde, na década de 1990, na condição de secretário municipal de Educação de São Paulo, no governo da prefeita Luíza Erundina, ele finalmente teve a chance de concretizar políticas públicas, entre elas o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), até hoje referência nacional. Em vários textos, Freire destacava a educação como um ato político. Morreu de um ataque cardíaco em dois de maio de 1997, mas suas ideias continuam cada vez mais atualizadas, no Brasil e no mundo.