Nonato Guedes
O convite feito pelo presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira (PE), para retorno do governador da Paraíba, João Azevêdo, aos quadros do partido, foi um tardio “mea culpa” da direção nacional socialista quanto à injustiça e arbitrariedade cometidas contra o gestor, dando aval à violenta orquestração comandada lá atrás pelo ex-governador Ricardo Coutinho para queimar Azevêdo na fogueira da inquisição. Ricardo era, até então, uma espécie de suserano do PSB, senhor de baraço e cutelo na legenda para a qual migrou depois de ter sido vetado pelo PT na sua escalada personalista nas franjas do poder estadual. Não cabia dúvidas quanto à correção de Azevêdo para com o partido, tanto assim que ele foi adotado candidato ao governo em 2018, dando partida à carreira política, e logrou ser vitorioso já no primeiro turno, com o apoio ostensivo de Ricardo Coutinho.
O que mudou, desde então, para que Azevêdo fosse imolado impiedosamente no altar da cúpula nacional socialista? Em dezembro de 2019, o governador foi compelido a deixar o PSB porque Ricardo, em operação “manu militari”, conseguiu a dissolução do diretório estadual, comandado por Edivaldo Rosas, um militante das hostes socialistas, que passou a acatar, naturalmente, a liderança do chefe do Executivo, de quem era auxiliar. A cúpula nacional presidida pelo senhor Carlos Siqueira endossou plenamente os atos de truculência engendrados por Ricardo, que estava tomado de fúria por não conseguir emplacar nomeações de apadrinhados na nova administração nem exercer, dentro dela, a influência avassaladora que planejava continuar ostentando. Ricardo saiu do pleito de 2018 com a sensação de que iria “emprestar” a cadeira de governador de Azevêdo, ignorando que o próprio candidato ungido por ele deu sua quota de sacrifício e de empenho para conquistar o posto e oficializar sua iniciação na atividade política, em que era jejuno. Essa ambição acabou levando Coutinho a prejudicar o projeto de poder do PSB que vinha sendo pacientemente implementado na Paraíba.
O partido ficou praticamente esfacelado no Estado e perdeu a perspectiva em relação aos espaços que construíra. Já não estava mais no poder porque caíra em desgraça perante o novo governador e, em paralelo, alguns remanescentes da Era Ricardo, a começar por ele mesmo, passaram a ser envolvidos em processos e denúncias sobre escândalos de desvios de recursos nas áreas da Saúde, da Educação e em outros setores da gestão pública, desfigurando, assim, os apregoados “ideais socialistas” que alimentaram a cantilena dos ricardistas na saga em demanda do poder. Ricardo chegou a ser preso, depois de procurado até no exterior pela Interpol, passou por audiência de custódia no Tribunal de Justiça e produziu narrativas inconsistentes para tentar se defender de acusações. Tão inconsistentes que não convenceram o eleitorado de João Pessoa a dar-lhe um terceiro mandato na disputa à prefeitura da Capital, já nas eleições de 2020, quando o ex-mentor dos “girassóis” buscava a todo custo uma tribuna que havia refugado em 2018, quando lhe foi acenada a possibilidade de candidatura ao Senado.
A cúpula nacional do Partido Socialista Brasileiro, presidida por Carlos Siqueira, foi, mais do que omissa, covarde em relação a agir para chamar o feito à ordem e tentar recolocar o PSB nos eixos na Paraíba, diante das proporções que tomara a crise provocada por Coutinho no afã de continuar detendo o poder de mando na conjuntura local, acostumado que estava a impor decisões sem consultar ninguém e ainda a exigir subserviência e adesão incondicional a seus delírios de grandeza e de liderança. Não houve ponderação dos dirigentes nacionais socialistas na análise do “caso Paraíba”, o que forneceu a Ricardo campo fértil para sua cruzada aventureira e sem limites. Ricardo era “o problema” dentro do PSB, mas ao invés de ser admoestado ou chamado à colação foi premiado com a presidência da Fundação João Mangabeira. Acabou se revelando um estorvo, em dado momento, porque para ir a Brasília presidir reuniões da Fundação precisava de autorização judicial ou sujeitava-se ao uso de tornozeleira eletrônica para não escapar da vigilância da Justiça.
A tudo isto, Carlos Siqueira e demais expoentes da direção nacional do PSB assistiram de braços cruzados, aparentando impotência diante do desmonte que Ricardo, o iconoclasta, implementava nas hostes da legenda em que militaram nomes de envergadura moral e de tradição política respeitável como o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, cassado pela ditadura militar que legou ao país a longa noite das trevas a partir de 1964. Ricardo tinha o passaporte da imunidade absoluta dentro do PSB, curvado melancolicamente a seus caprichos e desígnios, não obstante já passasse a desfilar não mais nas páginas do noticiário político, mas nas páginas do noticiário policial. Sem dúvida, um caso incomum de hipnose política a acometer a cúpula nacional de um partido com histórico firme na conjuntura brasileira em décadas de militância, proselitismo e exercício do poder.
Hoje, Ricardo e seus problemas estão voltando de mala e cuia para as hostes do Partido dos Trabalhadores, uma outra legenda “siderada” pelo encantador de serpentes tupiniquim, valendo lembrar que em 2003 ele foi praticamente despejado da agremiação fundada por Luiz Inácio Lula da Silva em meio a um vasto prontuário de ocorrências de infidelidade, personalismo e derrotas. Especula-se nos meios políticos locais que contribuirá Coutinho poderá acrescentar ao Partido dos Trabalhadores e o consenso que se firma, por antecedência, é de que nenhuma contribuição mais valiosa será dada. Ainda assim, o ex-governador consegue a proeza de hipnotizar o ex-presidente Lula da Silva e torná-lo solidário na odisseia jurídica-policial que ainda enfrenta no Estado. Quanto a Azevêdo, não tem motivos para retornar ao PSB, ainda que, por pragmatismo, não feche portas para essa legenda. O algoz da vez do Partido Socialista é, quem diria, Ricardo Coutinho.