Nonato Guedes
No documentário que está circulando no YouTube como preparação ao retorno do ex-governador Ricardo Coutinho aos quadros do Partido dos Trabalhadores, do qual se desligou em 2003, líderes nacionais petistas afirmam que sua presença na cena qualifica o debate político, o que é endossado por dirigentes estaduais que o aguardam de braços abertos, como o ex-deputado Luiz Couto, o presidente do diretório regional Jackson Macêdo e o dirigente municipal em João Pessoa, Antônio Barbosa. A rigor, o convívio prolongado com petistas poderia até desautorizar tais depoimentos, diante de uma outra constatação – a de que Ricardo protagonizou embates internos polêmicos, foi considerado desagregador, personalista e ameaçado de processo disciplinar de expulsão por alegada infidelidade partidária.
Também é certo que Ricardo, apesar de fortemente incensado no retorno às hostes petistas e de ser um quadro efetivamente preparado para a discussão dos temas nacionais e locais, talvez produza mais queimação para o PT do que proveito político-eleitoral, embora Jackson Macêdo aposte que sua presença nas fileiras do partido terá o condão de reforçar bancadas legislativas, tanto na Câmara Federal como na Assembleia Legislativa. E, esperam, também no Senado, ao qual o ex-governador pretende concorrer, numa empreitada que ainda não é dada como certa, devido a implicações do seu envolvimento na Operação Calvário, deflagrada pelo Ministério Público e que ficou carimbada por tratar do desvio de recursos públicos da Saúde e da Educação no Estado. Os petistas ávidos por voltar a dividir espaço com Ricardo, naturalmente, passam ao largo de acusações de domínio público e preferem acreditar que ele, a exemplo do ex-presidente Lula, derrubará o amontoado de denúncias e se consagrará reabilitado nas eleições de 2022.
Seja como for, o retorno do “filho pródigo”, como Ricardo está sendo tratado, está confirmado para amanhã em alto estilo, em evento que será transmitido nos canais institucionais do PT e que terá manifestações de regozijo da parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o grande fiador da volta de Coutinho, da ex-presidente Dilma Rousseff, do ex-candidato a presidente da República Fernando Haddad e da presidente nacional da sigla petista, deputada federal pelo Paraná Gleisi Hoffmann. A importância demasiada que o PT nacional está conferindo à refiliação do ex-governador não impedirá os passos de Lula para obter apoios junto a outros adeptos da sua candidatura ao Planalto e que são adversários de Ricardo, como o governador João Azevêdo (Cidadania), o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, do PV. Na versão para 2022, Ricardo aparece como “um cruzado” contra o bolsonarismo, que é demonizado pelo petismo como estratégia para polarizar a disputa com o atual presidente da República.
A volta de Ricardo, depois que foi oficializado o seu desligamento do PSB, para o qual migrou quando se sentiu preterido lá atrás dentro do PT, não sinaliza que o Partido dos Trabalhadores venha a tê-lo como candidato ao governo do Estado. A estratégia de Lula, nos Estados, mais do que eleger gestores, é a de alavancar bancadas parlamentares fortes, sobretudo para a Câmara dos Deputados, a fim de que o partido, se Lula chegar ao poder, disponha de maioria para barrar qualquer pedido de impeachment do líder petista, hipótese de desespero a que o bolsonarismo pode recorrer em caso de derrota acachapante na eleição de 2022. A ideia, hoje, não é mais fortalecer o PT – isso é um evento distante que já pertence à História, mas, sim, acumular forças para consolidar o Estado Democrático de Direito, impedindo o êxito de manobras golpistas que possam vir a ser orquestradas já a partir do processo de apuração de votos para o plebiscito do próximo ano, conforme suspeitam os anti-bolsonaristas. Lula está seriamente preocupado com uma orquestração à “la Trump” no Brasil e quer exterminar o perigo o quanto antes, ou seja, antes da eleição propriamente dita.
Ricardo Vieira Coutinho iniciou sua trajetória política na Paraíba pelo PT em 1990, quando se candidatou a deputado estadual, sem lograr êxito, apesar da votação surpreendente, que em 92 confirmou-o como vereador em João Pessoa, reeleito em 96. Foi chegar à Assembleia Legislativa em 98. No retrospecto da sua militância, consta que, exceto em mandatos legislativos, Ricardo não chegou ao poder com o PT, nem na prefeitura da Capital, que conquistou em duas eleições seguidas, nem no governo do Estado, igualmente vitorioso duas vezes. Ele ascendeu a tais mandatos executivos a bordo do Partido Socialista Brasileiro e teve como vices figuras indicadas pelo PMDB ou até pelo grupo Cunha Lima, como o ex-deputado Rômulo Gouveia, que foi seu primeiro vice, na eleição de 2010 em que derrotou José Maranhão. A diferença, dizem os petistas, é que Ricardo prestigiou cabeças coroadas do petismo nacional quando estas se encontravam em desgraça – casos como o de Dilma Rousseff, no processo de impeachment, e de Lula da Silva, na prisão em Curitiba. Ricardo trouxe Dilma à Paraíba e ficou solidário com ela; da mesma forma, visitou Lula na carceragem da Polícia Federal. A sua volta tem simbolismo de retribuição. Lula, particularmente, além de admirar Coutinho, não esconde que ficou extremamente sensibilizado com gestos que ele patrocinou depois de aprontar confusões no partido que lhe serviu de berço político. É essa moeda que está por trás da volta do ex-líder dos girassóis ao petismo.