Nonato Guedes
Não dá para esconder que foi apoteótico o retorno do ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, às fileiras do Partido dos Trabalhadores, com alvíssaras e evoés que o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encarregou de puxar para simbolizar afinidades explícitas entre PT e Ricardo ou entre Ricardo e PT, no que foi endossado pela presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, adrede instruída para fazer as “honras” a RC, saudando-o como líder de expressão e voz qualificada para o debate de problemas nacionais e regionais. O “fecho”, em alto estilo, veio com o anúncio de Lula de que pretende desenvolver peregrinação política por cidades da Paraíba em companhia de Ricardo, definindo que ambos são políticos preparados “para estar nas ruas e conversar com o povo”.
Com o incenso e mirra derramados em torno de Coutinho nas hostes petistas, dezoito anos depois da sua saída debaixo de troca de acusações com a cúpula estadual do partido, envolvendo, sobretudo, o dogma da fidelidade, Lula sinalizou de que lado está na Paraíba, ou seja, quem é seu grande aliado, o homem da sua confiança absoluta, sem prejuízo de outros apoios já anunciados à sua pré-candidatura ao Planalto contra Bolsonaro. Ficou implícito um recado, que vale para o governador João Azevêdo (Cidadania), vale para apoiadores de ocasião de Lula, como o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB) e o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV): o meridiano político paraibano, na análise de Lula, passa por Ricardo, tanto faz se ele está desgastado por acusações de suposto envolvimento na Operação Calvário, tratando de desvios na Saúde e Educação, ou se ele terá que enfrentar batalha judicial para anular a inelegibilidade que, por ora, ronda uma provável candidatura sua ao Senado, tal qual divulgado nas redes sociais.
Favorito em pesquisas de intenção de voto na corrida pelo Planalto em 2002, a dados de hoje, o ex-presidente Lula da Silva se dá ao luxo de relevar a liderança que o governador João Azevêdo detém, atualmente, nas projeções locais para o pleito vindouro. É como se esse favoritismo de Azevêdo fosse relativo, dado que um valor mais alto se “alevanta” – a própria superioridade de Lula contra Bolsonaro, exaltada na mídia, tão criticada pelo petista. Lula tem uma “Sena acumulada” particularmente com a TV Globo, que não o convida para entrevistas ou intervenções sobre assuntos da pauta nacional. Deixará de lado essa “pnimba” na hora em que for chamado – possivelmente, se se conhece o estilo da Globo, no período propriamente dito da campanha eleitoral, quando estiverem liberados debates e propaganda eleitoral. No que diz respeito a João Azevêdo, embora ele não tenha sido “desancado” em rede nacional na refiliação de Ricardo, também não lhe foi atribuída maior importância pela cúpula lulopetista.
Em declarações, ontem, à imprensa, o governador João Azevêdo deu a entender que a manutenção do seu apoio à candidatura de Lula a presidente está condicionada, agora, a uma aceitação, ou não, do parte do ex-mandatário. Até então, o gestor paraibano vinha manifestando a intenção de apoio ao petista, independente dos variados palanques que viesse a ter em nosso Estado. Chegou ao ponto de pedir autorização da direção nacional do “Cidadania” para integrar-se à campanha dele, já que o seu partido não cogitava candidatura própria e vinha se mantendo flexível quanto ao posicionamento crítico do governador diante da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Na reunião do “Consórcio Nordeste” em Natal, Rio Grande do Norte, Lula fez questão de cumprimentar Azevêdo e pactuou com ele uma conversa mais profunda na sua viagem à Paraíba, no segundo roteiro de incursões pelo Nordeste.
De lá para cá, Ricardo protagonizou movimentos rápidos que o desfiliaram do PSB e lhe abriram portas dentro do PT, na condição de “filho pródigo”, tratamento recomendado por Lula aos petistas para acolhê-lo de volta às hostes. Acenou-se a Ricardo com a hipótese de vaga para candidatura ao Senado, mesmo diante da indiscutível inelegibilidade de que ele está refém, no momento, face a pendências que enfrenta. O tom da refiliação do ex-governador, vocalizado por Lula e outras cabeças coroadas do petismo, foi eloquente demais. Montou-se para Coutinho o script de vítima do “lavajatismo tupiniquim”, tecendo-se analogias entre a sua situação na Calvário e a de Lula na operação que Sergio Moro chefiou. O mantra consiste em narrar que Ricardo será absolvido de todas as acusações da Calvário, tal como Lula tem sido absolvido no âmbito da Lava-Jato. Um discurso talhado sob medida para nivelá-lo a Lula no capítulo da ‘perseguição política’, narrativa que os petistas adoram construir e enfatizar, com a mesma intensidade com que Bolsonaro constrói “realidades paralelas”.
Se as coisas são assim, ou caminham dessa forma, que papel terá o governador João Azevêdo, em termos de Paraíba, em mais uma campanha de Lula a presidente da República? É a pergunta que se faz, nos meios políticos, jornalísticos, e junto a segmentos da sociedade que acompanham, atentamente, essa metamorfose em pleno andamento na conjuntura política nacional, com repercussão inevitável na pequenina Paraíba. Quer dizer que Azevêdo não está “preparado” para estar nas ruas e conversar com o povo, mesmo depois do estágio probatório de 2018? Não deixa de ser pertinente a indagação de Azevêdo sobre se Lula desconhece avanços implementados por ele na Paraíba em plena pandemia do coronavírus. Por último, cabe lembrar que Azevêdo nunca reclamou monopólio de palanques de apoio a Lula na Paraíba. Não há, porém, reciprocidade maior na atenção que o governador demonstra em relação ao petista, eis a verdade.