Nonato Guedes
O Partido dos Trabalhadores está na berlinda dentro da própria oposição nacional diante da desconfiança sobre seu real interesse em se empenhar nas mobilizações pelo “impeachment” do presidente Jair Bolsonaro. Uma reportagem de Mariana Scheireber, da BBC Brasil, põe o dedo na ferida ao indagar: “Com Lula como favorito para derrotar Bolsonaro, o PT, de fato, quer o impeachment?”. Ao que parece, não é apenas a perspectiva de vitória de Lula num confronto com Bolsonaro que faz o PT se retrair nas manifestações para afastar o presidente, mas, também, o ceticismo que reina entre cabeças coroadas do petismo quanto às chances de prosperar um processo de “impeachment”, depois do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ter ignorado mais de uma centena de pedidos, e do atual presidente, Arthur Lira, seguir no mesmo diapasão, evitando pôr em pauta a discussão a respeito.
Arthur Lira, do PP de Alagoas, de quem depende a iniciativa de deflagrar um processo de afastamento, lidera hoje uma ampla base de deputados da centro-direita avessa à retirada de Bolsonaro do poder, já que tem sido beneficiada por cargos e verbas federais para seus redutos eleitorais. Esses parlamentares compõem o chamado Centrão, que é famoso na história política brasileira pelo modelo fisiológico com que opera, agindo na base do “toma lá, dá cá”. Já houve uma época em que Bolsonaro, , tentando aparentar diferenças com o fisiologismo do Centrão, castigou o agrupamento na distribuição de benesses pelo Palácio do Planalto, mas acabou capitulando, como outros presidentes o fizeram, pelo receio de enfrentar derrotas em série no Congresso. Basta lembrar que um dos expoentes do Centrão, o senador Ciro Nogueira, do PP-PI, está à frente do comando da Casa Civil, uma pasta considerada estratégica na articulação política do governo. É ele quem tem intermediado as demandas clientelistas formuladas em troca de apoio político ao Planalto.
A respeito da posição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não há questionamento sobre o fato de ele apoiar as manifestações pelo “impeachment” de Bolsonaro, atento a sinalizações de protesto que têm partido de variados organismos da sociedade civil. Lula é consciente de que há justificativas de sobra para dar partida ao processo e sabe que a própria CPI da Covid em funcionamento no Senado já acumulou um sem número de denúncias de irregularidades, praticadas especialmente na estratégia de enfrentamento à pandemia que se desenrola no Brasil. Essas denúncias poderão embasar abertura de processos sobre crimes de responsabilidade que são atribuídos ao presidente da República, nas ações desastrosas que permearam o combate ao coronavírus. Em paralelo, a situação de Bolsonaro se agrava pela postura negacionista que ele tem adotado, muitas vezes interferindo para a aplicação e uso de medicamentos sem comprovação científica, com isto atropelando o trabalho sério de investigação/profilaxia quanto à doença. Apesar de tudo isso, não há previsão de que venha a ser desfechado o ritual do “impeachment”.
As desconfianças quanto a táticas políticas de partidos e pré-candidatos à presidência da República têm dificultado unificar as mobilizações em uma frente ampla contra o presidente, o que, na opinião de alguns analistas políticos, acaba reduzindo a capacidade desses atos de pressionar o Congresso Nacional. As pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022 indicam, a dados de hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como favorito para vencer o pleito em uma disputa direta contra Bolsonaro. Os críticos do partido dizem que a preferência dos petistas pode ser por manter o presidente na corrida eleitoral para evitar que outro candidato potencialmente mais agregador se cacife para chegar ao segundo turno contra Lula. Petistas refutam esses argumentos, mas o próprio Lula passa recibo de incômodo pela exploração que é feita em relação à polarização ora ensaiada entre ele e Bolsonaro. O petista chega ao ponto de ironizar a chamada “terceira via” como se fosse uma espécie de miragem no cenário político brasileiro.
Lula não radicaliza ao ponto de desautorizar manifestações de militantes petistas, nas ruas, em atos pelo impeachment de Jair Bolsonaro, mas, pessoalmente, se esquiva de um maior engajamento, ficando confinado a gabinetes ou apenas participando de “lives” em que bate forte no governo e nos seus descaminhos. Pesquisa Ipespe divulgada na semana passada mostra que se a eleição fosse hoje Lula e Bolsonaro disputariam o segundo turno, sendo que o petista venceria com 50% dos votos contra 31% do atual presidente. Outras pesquisas, com percentuais variados, confirmam a tendência. O PT alega que parlamentares seus ou lideranças vinculadas ao partido já assinaram pelo menos dez pedidos de impeachment ou aditamentos e que o próprio ex-candidato Fernando Haddad impetrou mandado de segurança no Supremo para obrigar Arthur lira a apreciar os mais de cem pedidos de afastamento que aguardam sua análise. Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, é categórica: “O PT nunca tergiversou com esse assunto. Nós sempre achamos que para o Brasil é melhor o Bolsonaro sair. E nós não escolhemos adversários para a eleição presidencial”. Pode ser, mas é certo que o mais cômodo para o PT, com o favoritismo que detém, é deixar Bolsonaro sangrar por mais um ano até sua aniquilação nas urnas em outubro de 2022.