Nonato Guedes
Puxada pelo deputado Cabo Gilberto, do PSL, líder do bloco de oposição na Assembleia Legislativa e bolsonarista de carteirinha, ensaiou-se, ontem, naquele Poder, na reabertura das sessões híbridas, uma orquestração vergonhosa para derrubar o projeto de lei instituindo o chamado passaporte da vacina, que fixa restrições de mobilidade social para pessoas que optaram por não se vacinar contra a Covid-19, pandemia que já deixou um rastro vultuoso de óbitos e de pessoas sequeladas. O Cabo Gilberto, que não é propriamente um parlamentar eloquente, escalou-se para disseminar uma espécie de “terrorismo negacionista”, na linha patrocinada pelo seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, que tem oferecido sucessivos exemplos, ao Brasil e ao mundo, de rejeição da Ciência, na mesma intensidade com que idolatra teorias sem fundamento e tenta empurrar remédios sem comprovação ou respaldo de figuras autorizadas.
Felizmente, a maioria dos parlamentares teve o bom senso de derrotar a cruzada indecorosa sustentada pelo deputado Cabo Gilberto, que, num ato flagrante de desrespeito ao Código de Ética da Assembleia, ingressou no plenário e teve facultado o acesso a debates e intervenções sobre o assunto, embora não estivesse vacinado, mas portando apenas o teste negativo para a Covid-19. O parlamentar do PSL não esconde que é uma espécie de alto-falante das teses idiossincráticas propagadas pelo presidente Jair Bolsonaro, repetindo como mantra o besteirol que emana das falas presidenciais. É preciso lembrar que o deputado, também, embora pregue respeito a princípios, esteve ao lado de Bolsonaro no Sete de Setembro, nas manifestações antidemocráticas que foram pontuadas por ofensas a autoridades constituídas e por ataques incontroláveis a instituições como o Supremo Tribunal Federal e o próprio Legislativo. O que causou estranheza, ontem, foi que outros deputados de oposição, até então respeitados por posturas democráticas, tenham aderido às invectivas assacadas contra liberdades públicas pelo auto-nomeado “bolsonarista raiz”, como o Cabo se identifica.
A respeito da controvérsia, o governador João Azevêdo, incumbido de sancionar o projeto, já havia manifestado este conceito: “Não é possível que um servidor público, que entra em contato com a população, não queira se vacinar”. O que se assistiu, ontem, foi a um show de despautérios por parte de deputados aparentemente bem informados ou comprometidos com causas populares, que engrossaram a “nau dos insensatos” instalada em território nacional desde que se investiu o governo de Jair Bolsonaro. O questionamento sobre a constitucionalidade da proposta pareceu extemporâneo, na opinião de segmentos abalizados dos meios jurídicos do Estado, para os quais nenhum Poder local estava legislando na contramão da Constituição. Pelo contrário, o empenho era com vistas a salvaguardar vidas, a evitar contaminações que viessem a se alastrar, mediante o “liberou geral”, sobretudo para “negacionistas” insensíveis e inscientes da dimensão da tragédia que abalou o mundo.
Havia uma expectativa extremamente positiva quanto à reabertura dos trabalhos legislativos, ontem, depois de mais de um ano sem a realização de sessões presenciais ou de grandes debates públicos sobre questões de interesse do Estado. Já se registrou, nesta coluna, que o Poder não deixou de produzir colaborações relevantes, nas sessões virtuais decididas pela Mesa Diretora e pelos parlamentares, e é certo que a produtividade legislativa foi expressiva, inclusive no que diz respeito a matérias ou projetos de urgência encaminhados pelo Executivo e que, para além dos efeitos da pandemia, geravam repercussão na vida da população paraibana. Como se sabe, houve um esforço concentrado, da parte do governo João Azevêdo, para que obras públicas e investimentos de alcance social não sofressem solução de continuidade, sendo o calendário oficial ajustado às oscilações da crise sanitária vivenciada. O governador deixou consignado, em pronunciamentos, o reconhecimento à ação cooperativa de deputados e deputadas para que não pairasse uma situação de semiparalisia administrativa. Ainda agora, a pauta envolve demandas que precisarão do apoio da maioria para que se viabilizem.
Em paralelo, assiste-se à projeção da Paraíba em níveis auspiciosos no plano nacional, no que diz respeito à aceleração da vacinação de grupos sociais contra a epidemia de Covid-19, e os méritos dessa estratégia devem ser compartilhados com gestores municipais, das mais diferentes localidades do Estado. Ao mesmo tempo, apesar das dificuldades, foi reaberto o diálogo com representantes dos setores produtivos e de outros segmentos da sociedade paraibana acerca da viabilidade de retomada de atividades que também são importantes porque geram emprego e renda, num país que está debaixo novamente do pesadelo da inflação e da falta de alternativas por parte do governo federal para o desemprego. Tudo isto vem sendo feito para que a normalidade possível seja restabelecida, em condições de segurança, protocolo de que não se afastam autoridades responsáveis pela Saúde Pública. O passaporte da vacina faz parte desse contencioso, ou do conjunto de medidas proativas. A Assembleia Legislativa escapou de um tremendo vexame, ontem, livrando-se da chacota por oferecer ao Brasil um mau exemplo que atenderia apenas a vaidades mesquinhas, sem nenhum espírito de grandeza e muito menos de compreensão diante da atipicidade da conjuntura que ainda está sendo travada. O deputado Adriano Galdino, presidente da Assembleia, merece encômios por ter cumprido o seu papel com serenidade, destoando das bravatas que nada constroem.
o cidadão comum que resiste à vacinação neste momento, quando tudo tem ocorrido em caráter experimental, não pode ser responsabilizado pela incompetência política de ninguém, nem tão pouco pela ambição por votos daqueles que rasgam o direito de quem deve ter a liberdade de escolha. Se a própria OMS reconhece que os vacinados continuam transmitindo, não vacinar somente poderá prejudicar a quem opta pela escolha.