Nonato Guedes
Partiu da senadora Zenaide Maia, do Pros-RN, a sugestão para que após a entrega do relatório final da CPI da Covid, em funcionamento no Senado, seja instalada uma Frente Parlamentar, espécie de Observatório encarregado de acompanhar os desdobramentos dos resultados da comissão. A proposta foi aprovada pelos demais integrantes do colegiado, como o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues, do DEM-AP e o relator, Renan Calheiros, do MDB-AL. “É preciso cobrar providências das autoridades sobre as recomendações do relatório final da CPI, a fim de que ninguém se esqueça do que aconteceu com os brasileiros nessa pandemia; para que os responsáveis sejam efetivamente punidos e para que nunca mais esse morticínio aconteça”, argumenta a senadora Zenaide Maia.
A Frente Parlamentar tem amparo do regimento interno do Senado para ser instalada e as reuniões deverão acontecer na própria Casa legislativa. Na verdade, há uma preocupação não só por parte dos integrantes da Comissão de Inquérito, mas, também, dos dirigentes do Parlamento, no sentido de oferecer respostas concretas à população sobre os trabalhos de investigação. É uma forma de evitar que a CPI venha a terminar em “pizza”, eufemismo de que não mudará nada, ou seja, não conseguirá penalizar os responsáveis pelo fato de o Brasil ter sido um dos piores países do mundo na condução de políticas de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Leva-se em consideração que o Palácio do Planalto tentou criar toda sorte de obstáculos a uma apuração rigorosa, com sonegação de informações reclamadas por parlamentares para não dar pretexto a punições graves contra agentes responsáveis por crimes cometidos na estratégia de enfrentamento à doença.
O histórico pouco alentador de inúmeras Comissões Parlamentares de Inquérito criadas no período republicano no Brasil, para apurar desde escândalos econômicos e administrativos a questões de saúde pública, conspira, teoricamente, contra a expectativa de resultados produtivos da CPI da Covid-19. Mas tem sido notório o empenho de alguns parlamentares para reverter a ameaça de impunidade que possa ficar caracterizada ao final dos trabalhos da comissão. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o relator Renan Calheiros chamou Jair Bolsonaro de “mercador da morte” e informou já ter relacionado pelo menos onze crimes supostamente cometidos pelo mandatário no contexto da pandemia. Renan foi incisivo: “Esse governo criou o gabinete da morte, um ministério paralelo, também responsável pelo extermínio dos brasileiros. Por causa disso tudo, desse impedimento óbvio e majoritário, ele será responsabilizado”.
Pelo que Renan Calheiros antecipou, os personagens centrais de seu relatório serão, além do presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e o coronel Élcio Franco. Ele adicionou, contudo, que o relatório deve propor o indiciamento de 40 pessoas ao todo, havendo dúvidas, na mídia, sobre como será o tratamento dado ao ministro atual, o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga. Depois de muitas evasivas, Queiroga admitiu em entrevista interferência do presidente Jair Bolsonaro em medidas tomadas ou recomendadas oficialmente pela Pasta. Os senadores estão avaliando se tal interferência desvirtuou o trabalho do Ministério ou, eventualmente, atrapalhou a agilidade nas ações de enfrentamento que eram imperiosas. O ministro paraibano é reconhecido, simultaneamente, pela aceleração que imprimiu ao Plano Nacional de Imunização, e foi dispensado de um novo depoimento na comissão devido à análise de que poderia utilizar o palco da CPI para fazer propaganda do governo Bolsonaro, com quem é bastante afinado.
Um levantamento feito pelo UOL revela que em quase seis meses de oitivas a CPI da Covid deixou de ouvir mais de 70 pessoas que foram convocadas a depor. Foram aprovados mais de 120 requerimentos individuais de convocação, e entre os que não chegaram a depor estão nomes ligados a Jair Bolsonaro, além de governadores e representantes do setor público e privado. Somente o ex-governador cassado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, acabou indo ao Senado, mas deixou o local após ser questionado sobre um possível superfaturamento na compra de respiradores. O governador do Amazonas, Wilson Lima, chegou a ter o depoimento marcado, porém, ele conseguiu um habeas-corpus no Supremo Tribunal Federal para não ter que comparecer. Na prática, o entendimento para o caso de Wilson Lima acabou servindo para os demais governadores, que não foram à CPI. Senadores governistas queriam chamá-los para tirar o foco das investigações do governo federal e apurar eventuais irregularidades locais.
O fato é que a CPI sempre será questionada por alguma falha, mas seus integrantes já alertam que ela agiu proativamente dentro das condições de temperatura e pressão da conjuntura brasileira, sujeita a oscilações constantes no imprevisível governo de Jair Bolsonaro. A CPI foi instalada em 27 de abril e tinha prazo inicial de vigência até sete de agosto, sendo deliberada sua prorrogação por mais 90 dias, estendendo o funcionamento do colegiado até a data limite de 5 de novembro de 2021. O relatório final deve ser entregue, lido em plenário e votado até o dia 20 de outubro. A sociedade estará atenta para cobrar resultados. Afinal, o tema é candente, dramático e, em caso de responsabilidades por tragédias, os culpados devem ser punidos, sejam quais forem. É a expectativa da opinião pública.