Nonato Guedes
Detentor, a dados de hoje, de uma confortável perspectiva na disputa das eleições presidenciais em 2022 contra Jair Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) investe na estratégia de não aprofundar definições sobre temas polêmicos e, ao mesmo tempo, de evitar ao máximo comentários sobre conhecidas denúncias envolvendo líderes do Partido dos Trabalhadores no delicado terreno da corrupção. Lula quer ganhar tempo na corrida eleitoral costurando acordos políticos que não o descolem da esquerda mas possam aproximá-lo do centro, num cálculo político ensaiado para evitar a proliferação da chamada “terceira via”, que é reclamada por setores antilulistas e antibolsonaristas.
Não por acaso a retórica empregada por Lula em conversas que tem mantido ou em intervenções que tem feito, em entrevistas, reuniões e conluios políticos, é inegavelmente saudosista, aqui e acolá temperada por pitadas de modernidade para tentar tornar o discurso um pouco mais contemporâneo. Isto se dá, por exemplo, quando ele aborda a pandemia do coronavírus, com críticas à postura negacionista do governo de Bolsonaro e aos prejuízos causados pela questão sanitária na situação econômica e social, com aumento do número de desempregados. Lula fica à vontade para falar mal de Bolsonaro porque o governo dele, realmente, foi um desastre no enfrentamento da Covid-19 desde a sua eclosão – ainda que, à custa de muita pressão, o Planalto tenha reagido e o ministério, sob a batuta do cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, tenha conseguido avançar na compra de vacinas e no próprio Plano Nacional de Imunização.
A pesquisa Ipec de 22 de setembro apontou que Lula contava com 48% das intenções de voto contra 23% de Bolsonaro no primeiro turno. Outras pesquisas, de diferentes institutos, apontam números distintos mas coincidem na demonstração da situação de vantagem ou de favoritismo do líder petista que se elegeu pela primeira vez em 2002 e foi reeleito em 2006, tendo impulsionado, decisivamente, a vitória de sua candidata Dilma Rousseff, em 2010. Dilma logrou se reeleger em 2014, mas não resistiu à permanência no cargo e foi alcançada por um processo de impeachment que não encontrou reação maior por parte da sociedade porque o governo já experimentava sinais de desgaste refletidos em manifestações de protesto nas ruas. Quanto a Lula, ganhou da Justiça, num passe de mágica, o passaporte para a reabilitação política e a reconquista da elegibilidade e tem conseguido anular muitas das condenações que lhe foram atribuídas e que resultaram na sua prisão por 580 dias na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
A revista “Veja”, numa reportagem sobre os movimentos que estão sendo empreendidos pelo ex-presidente, trata-o como “O novo velho Lula”, insinuando que as mudanças no discurso do líder petista são apenas cosméticas e não trazem nada de novo à realidade brasileira. A retórica lulista, de acordo com a reportagem, soa como música aos ouvidos de sua base de esquerda: forte participação do Estado na economia, recuo nas reformas, freio nas privatizações, regulação da mídia, participação de movimentos sociais no governo, fim do teto de gastos, aumento da tributação dos mais ricos e expansão de programas de transferência de renda. “Lula pretende faturar com uma lembrança idealizada de algumas bandeiras na sua passagem pela Presidência há quase anos, que deixou com aprovação superior a 80%”, destaca “Veja”, ao citar menções recorrentes a programs como “Minha Casa, Minha Vida” e Bolsa Família. Tudo isso é massificado com a inevitável comparação dos petistas com o governo de Bolsonaro.
Um extrato de declarações de Lula este ano em entrevistas a diferentes veículos de comunicação reforça a análise de que não há mudança mais radical no discurso ou na lógica de abordagem dos problemas nacionais por parte do ex-presidente da República e “entourage”. Acerca da tributação dos ricos, por exemplo, sentenciou: “Do jeito que está, quem ganha 7 000 reais por mês paga mais imposto proporcionalmente do que quem ganha 70 000 reais. Que as pessoas paguem imposto sobre dividendos, sobre lucros, sobre herança. Precisamos de uma reforma tributária progressiva”. Sobre a distribuição de renda, o ex-presidente conceituou: “Se a gente quer realmente consertar o Brasil, não podemos continuar sendo um país concentrador de renda (…) Quando você coloca o povo pobre no Orçamento, ele vira consumidor”. Ou seja, tudo muito vago, propositadamente vago para evitar compromissos sobre cujo cumprimento Lula parece não ter certeza ou garantia prévia.
Por mais esforço que empreenda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não consegue ofuscar sinais de oportunismo político por trás do seu grande projeto, que é o de voltar à presidência da República. Nessa empreitada obstinada e até mesmo obcecada, Lula tem realizado movimentos de articulação política que abrangem até mesmo figuras até então qualificadas como “algozes” do PT, quer por causa da sua prisão, quer por causa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Em relação a este último ponto, Lula corteja abertamente o apoio de políticos de legendas como o MDB que votaram favoravelmente ao afastamento da ex-presidente Dilma Roussefff. Reune-se com eles, traça contornos de alianças locais ou regionais, baliza limites do apoio à sua candidatura ao Planalto. Para efeito externo, Lula se apresenta como artífice de uma “frente democrática” contra o governo de Jair Bolsonaro, cuja reputação é fortemente manchada no exterior. Até aqui, o ex-presidente tem se dado bem no papel de “encantador de serpentes”. Falta confirmar se isto funcionará para valer nas urnas de 2022, para onde seu olhar está totalmente direcionado.