Nonato Guedes
Em entrevista que concedeu à imprensa de Pernambuco o presidente nacional do Cidadania, ex-ministro Roberto Freire, externou a opinião pessoal de que o seu partido deve fazer oposição fechada tanto à candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição quanto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em tese, o partido aprovou e apoia a pré-candidatura própria do senador Alessandro Vieira, de Sergipe, mas está aberto ao exame de outra alternativa que represente o eixo democrático na hipótese do nome de Alessandro não aglutinar apoios no segmento de centro-esquerda. Essa alternativa, pelo que Freire deixou transparecer, ainda não está configurada, podendo se expressar no nome do governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, se este vencer as prévias no PSDB, ou nas figuras dos ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Sérgio Moro (sem partido).
O Cidadania é o partido a que está filiado o governador da Paraíba, João Azevêdo, que, como se sabe, migrou do PSB por divergências com o ex-governador Ricardo Coutinho, que ultimamente deixou as hostes socialistas e refiliou-se ao Partido dos Trabalhadores, com o aval declarado do ex-presidente Lula da Silva. Azevêdo já manifestou reiteradas vezes a sua posição contrária à candidatura do presidente Bolsonaro e o desejo de apoiar o ex-presidente Lula, independente dele ser apoiado por adversários políticos no Estado. Até onde se sabe, o apoio de Azevêdo a Lula está mantido, embora o líder petista não tenha, até agora, feito qualquer movimento para vir à Paraíba, já tendo percorrido vários Estados da região Nordeste. João Azevêdo, meses atrás, informou ter solicitado autorização à cúpula nacional do Cidadania para fechar com o nome de Lula, revelando que havia tido compreensão e permissão. Na entrevista das últimas horas, Roberto Freire não aludiu a punições contra filiados que apoiarem a candidatura de Lula.
Mas, de sua parte, o presidente do Cidadania avaliou que a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição significa um atraso para o país, uma espécie de rendição ao “obscurantismo”, citando que a gestão do presidente fracassou no enfrentamento à tragédia do coronavírus no Brasil, até por causa da postura negacionista e insensível do mandatário. Em relação a Lula da Silva, fez restrições à sua volta que, a seu ver, representa um retrocesso, observando que o ex-presidente ainda está aferrado a um discurso que inclui propostas do passado e focam diretamente no assistencialismo. Conforme Roberto Freire, a lembrança que o ex-presidente Luila evoca do Bolsa Família reflete uma visão ultrapassada sobre políticas públicas eficazes que possam contribuir para alavancar as conquistas da população, especialmente no campo social e econômico. A plataforma de Lula, afirma ele, reproduz soluções emergenciais e não definitivas ou concretas que precisam ser implementadas na conjuntura a fim de fazer o país avançar substancialmente.
Repetindo definição de um interlocutor, cuja identidade não citou, o ex-ministro Roberto Freire comparou que Bolsonaro no poder é “inaceitável”, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de volta, é “indesejável”, por causa de erros que teriam sido cometidos nas gestões petistas e que voltam a ser agitados pelo próprio Lula, demonstrando falta de clareza maior sobre os contornos e desafios da conjuntura brasileira. Roberto Freire passa a impressão de que é consciente das dificuldades para a consolidação de uma terceira via ao Planalto, lembrando que o próprio ex-juiz Sergio Moro, embora desfraldando bandeiras simpáticas e de repercussão como o combate à corrupção, não logrou, até agora, avançar nas pesquisas de intenção de votos junto a parcelas do eleitorado brasileiro, estando, ainda, sob o manto da própria indefinição partidária, apesar das conversas intensas com o Podemos. Da entrevista de Freire, restou implícito, para a Paraíba, que ele, não obstante, não vai patrulhar o governador João Azevêdo na posição que vier a tomar.
Há, da parte do dirigente do Cidadania, uma compreensão em relação a situações regionais ou estaduais, inclusive quanto aos conflitos. O governador João Azevêdo, por exemplo, faz parte do grupo de governadores que o presidente Bolsonaro frequentemente hostiliza, embora o governo federal propriamente dito não discrimine o Estado da Paraíba em demandas de interesse público, sendo esperada para breve a visita do próprio mandatário a obras da transposição de águas do rio São Francisco no município de São José de Piranhas, no Sertão. Em tese, com a refiliação do adversário local Ricardo Coutinho ao PT, Azevêdo teria razões para distanciar-se do leito da candidatura de Lula. Mas ele analisa que, a esta altura, não há como recuar da intenção de voto que já assumiu e do compromisso de receber o próprio Lula em audiência no Palácio da Redenção para debater temas nacionais urgentes ou inadiáveis.
O ex-ministro Roberto Freire demonstrou estar atento à regulamentação das normas que irão vigorar nas eleições do próximo ano, embora considere que não haverá espaço para mudanças mais substanciais no cenário político-eleitoral. O fundamental, para ele, é que sejam asseguradas condições mínimas de sobrevivência às chamadas pequenas legendas, que lutam por critérios favoráveis da cláusula de barreira ou de desempenho. A ideia da federação partidária, sem dúvida, entusiasma Roberto Freire. Ele considera que “federação é um casamento com prazo determinado, de quatro anos, pautado mais por convergências e não por divergências que afloram em experimentos outros, como o da fusão”. Quanto a esse ponto, destacou que o Cidadania está aberto a debater possibilidades, “mas com limites”. E adverte: “Não é com qualquer partido que vamos nos aliançar”.