Nonato Guedes
Um tema desprezado na CPI da Covid no Senado, a suposta fraude na compra de respiradores por Estados do Nordeste, transformou-se no principal foco de investigação da CPI da Covid da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com potencial para arranhar nomes de figurões da política nacional. Na semana passada, a “CPI nordestina” quebrou o sigilo telefônico, bancário e fiscal do petista Carlos Eduardo Gabas, que foi ministro da Previdência nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Pivô de uma compra fraudulenta de respiradores para o Consórcio Nordeste, Gabas é o principal investigado no Rio Grande do Norte, conforme a revista “Veja”.
O requerimento para a quebra de sigilo do ex-ministro foi apresentado pelo presidente da CPI, o deputado Kelps Lima, do Solidariedade, e aprovado por unanimidade até por partidários de Gabas, como o deputado Francisco, do PT, que é relator da CPI. “A quebra de sigilo irá permitir aprofundar a investigação”, acredita Kelps. No ano passado, o Consórcio Nordeste, presidido pelo governador da Bahia, Rui Falcão, do PT, comprou da empresa Hempcare Farma 300 respiradores por 48 milhões de reais. A quantia foi paga antecipadamente em um contrato eivado de fraudes e até hoje a mercadoria não teria sido entregue. Em depoimento prestado aos investigadores, Cristiana Pestes Taddeo, dona da empresa, disse que não entregou os respiradores devido a problemas que teve com um fabricante chinês. Ela, no entanto, levantou suspeitas contra Carlos Gabas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste e o prefeito de Araraquara, São Paulo, Edinho Silva, ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Dilma.
A empresária informou que na época da fraude recebeu telefonema de Gabas, que se identificou como “irmão de alma” de Edinho de Araraquara, que também é do PT. De acordo com Cristiana, Gabas afirmou que o município paulista precisava de 30 respiradores mas que seu “irmão de alma” estava sem dinheiro. Para a empresária, estava implícito um pedido e ela se dispôs a fazer uma “doação”. Para o Ministério Público, era propina disfarçada. Em julho, Gabas negou qualquer irregularidade e chamou a empresária de criminosa. No início do mês, ele foi convocado pela CPI nordestina mas permaneceu em silêncio durante o depoimento. A Justiça do Rio Grande do Norte concedeu habeas corpus para que o ex-ministro não precisasse responder aos questionamentos dos parlamentares e o fato é que a ausência de maiores esclarecimentos ou de transparência absoluta nas informações continuou alimentando suspeitas e polêmicas.
Membros da CPI do Senado ligados ao governo Bolsonaro tentaram incluir o tema da compra de respiradores na pauta final da Comissão em Brasília, que elaborou o relatório com pedido de indiciamento de autoridades públicas. A ideia era ampliar o raio de investigações, seguindo uma própria orientação do presidente Bolsonaro para que governadores de Estados e prefeitos de municípios também fossem responsabilizados por eventuais deslizes no combate à pandemia de Covid-19. Não houve tempo útil para ampliar o raio de investigações, alcançando a mal explicada aquisição de respiradores por governadores nordestinos. Mas a controvérsia continua no radar e pode ocasionar desdobramentos imprevisíveis. O deputado paraibano Cabo Gilberto Silva (PSL), da ala bolsonarista, acompanhou uma das sessões da CPI no Rio Grande do Norte e se disse estarrecido com fatos que supostamente envolveriam responsabilidades do Consórcio Nordeste.
O senador Eduardo Girão, do Podemos-CE, que integra a CPI da Covid no Senado e esteve em Natal para acompanhar a tomada de depoimento do ex-ministro Carlos Gabas, disse que ficou frustrado com a decisão dele de não falar aos parlamentares e insinuou que o relatório paralelo a ser apresentado por ele terá informações sobre casos de corrupção que envolveram Estados e municípios, bem como denúncias referentes ao Consórcio Nordeste. “Num relatório independente, colocarei minhas impressões sobre dados que recebi durante essa CPI, eventuais erros e acertos do governo federal e informações sobre Estados e municípios que foram vergonhosamente blindados na comissão”, afirmou. O senador disse que viajou a Natal para acompanhar o depoimento de Gabas a convite do também senador Styvenson Valentim – Podemos-RN.
Girão contou que foi protocolado recentemente pedido de CPMI no Congresso para investigar especificamente irregularidades cometidas pelos governadores e prefeitos no combate à pandemia. Frisou que essa CPMI já conta com um bom número de assinaturas e ele pretende, agora que está se encerrando a CPI da Covid no Senado, entrar em contato com senadores e deputados interessados para intensificar os trabalhos, de forma a agilizar a abertura dessa nova comissão. Pelo visto, o barulho não dá sinais de cessar e pode vir mais chumbo grosso por aí.