Nonato Guedes
O governador de São Paulo, João Doria, que está na Paraíba cumprindo agenda política, em campanha para as prévias do PSDB nacional em novembro que escolherão o candidato a presidente da República no pleito de 2022, tem uma difícil “jornada” pela frente: lutar para vencer as prévias, sustentar a unidade do partido em torno do seu nome e conseguir ocupar o espaço de candidato de centro, polarizando ou com o presidente Jair Bolsonaro ou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Teoricamente, Doria largou em vantagem no ninho tucano para obter o passaporte com vistas à candidatura presidencial, mas ultimamente parece estar perdendo terreno para seu principal competidor, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, até dentro de diretórios paulistas. A mídia especula que Leite pode se tornar um azarão na corrida.
Mas Doria governa o Estado mais rico do Brasil, São Paulo, com seus empresários inquietos e seu mercado financeiro agilíssimo, conectado com as principais praças do mundo, como definiu o jornalista André Gustavo Stumpf. Além do mais, saiu na frente na guerra das vacinas, colocando o CoronaVac em primeiro lugar para imunizar brasileiros e não apenas paulistas. Isto lhe conferiu grande notoriedade e farta exposição na mídia, com Doria sendo requisitado para centenas de entrevistas e angariando simpatias junto a formadores de opinião. Nesse aspecto, conseguiu tornar-se o contraponto ao presidente Jair Bolsonaro, que, como se sabe, pôs o governo federal em passo de tartaruga na aquisição de vacinas. Bem articulado e com canais influentes em vários países, João Doria aproveitou a oportunidade para se credenciar à disputa presidencial, usando como trunfo uma bandeira de forte ou de indiscutível apelo popular. Como diz Stumpf, na disputa das narrativas. o governador paulista foi amplamente vencedor, enquanto Bolsonaro ficou com a pecha de genocida perante a História.
Nome nacional, conhecido em todo o país, Doria enfrenta problemas em São Paulo e dentro do seu próprio partido, onde o ex-presidenciável Geraldo Alckmin abriu uma dissidência que, de certo modo, enfraqueceu o papel de liderança que o governador vinha pacientemente construindo. O adversário principal de Doria nas prévias, o jovem governador gaúcho Eduardo Leite, define-se como representante de uma nova geração que surge dentro do PSDB, num momento em que a legenda busca, urgentemente, se recompor e, até mesmo, se reconstruir. Em 2018, depois de polarizar disputas consecutivas contra o Partido dos Trabalhadores, perdendo a maioria delas, o PSDB sumiu da disputa presidencial. João Doria, inclusive, concorreu ao governo de São Paulo atrelado à campanha do presidente Jair Bolsonaro, massificando o famoso jargão de “BolsoDoria”. Eduardo Leite também apoiou Bolsonaro, sem, no entanto, subir em palanques com ele.
Hoje, tanto João Doria quanto Eduardo Leite se dizem arrependidos do apoio manifestado à candidatura de Jair Bolsonaro – e fazem esse “mea culpa” sem aderir, porém, ao projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pelo PT depois que as condenações judiciais mais graves contra ele foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, em meio à reviravolta que abalou os destinos da Operação Lava Jato, que foi chefiada nos primórdios pelo ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Doria tenta dividir o seu arrependimento com os milhares de eleitores que sufragaram Bolsonaro nas urnas, dizendo ter se iludido com as promessas de um Estado liberal e de bem-estar com o povo, bem como com a postura do próprio presidente da República. Nas palavras de Doria, hoje, o governo Bolsonaro é um “desgoverno” e o presidente é “um despreparado” para o exercício do cargo, não tendo a menor noção de como equacionar os desafios que foram colocados à sua frente desde que empalmou o poder lá atrás.
Em relação às prévias tucanas, há pelo menos um consenso: elas são democráticas e podem servir como fator de mobilização partidária, já que possibilitam o confronto de ideias, o debate de propostas, oxigenando o próprio organismo partidário e expelindo a acomodação. A adoção de eleições primárias para escolha de candidatos tucanos a cargos majoritários foi proposta, originalmente, dentro do PSDB, em reunião da Executiva Nacional em outubro de 2007 em Brasília. Coube ao presidente da legenda, Tasso Jereissati, formular a sugestão, indicando que o experimento deveria ser utilizado já nas eleições municipais do ano seguinte. Na época, o PSDB definia-se como a principal força de Oposição no País e entendia que as prévias funcionariam como demonstração da democracia interna, talvez com reflexos favoráveis junto à própria sociedade. Experiências de países como Estados Unidos, Espanha, Chile, México e Argentina passaram a ser estudadas com interesse pela cúpula do tucanato brasileiro.
Hoje, as prévias parecem funcionar, dentro da agremiação tucana, como instrumento de sobrevivência da legenda ou como símbolo de motivação dos filiados para a retomada de um protagonismo que é citado com saudosismo, sem garantia concreta de que volte a pontuar no horizonte político brasileiro. A emergência de Bolsonaro em 2018 como “outsider” no cenário político-institucional alertou os partidos sobre um processo de reconfiguração que estaria em curso no cenário nacional. Têm sido tantas as idas e vindas no sistema partidário que, atualmente, ele parece irreconhecível, o que dificulta projeções mais seguras para 2022. Quanto ao preparo de Doria e Eduardo Leite é indiscutível. Se qualquer um deles chegasse a ser eleito presidente, não lhe faltaria estofo para construir uma alternativa de poder mais sólida, como contraponto ao desastre que tem sido a gestão de Bolsonaro.