Nonato Guedes
A escritora Glauce Navarro Burity está ultimando a elaboração de um alentado livro que tem como personagem central a figura do seu marido, o ex-governador e intelectual Tarcísio de Miranda Burity, cuja morte completou 18 anos em julho último. Burity, que governou a Paraíba por duas vezes e foi, também, deputado federal e secretário de Educação e Cultura do Estado no governo Ivan Bichara Sobreira, faleceu em 8 de julho de 2003, aos 64 anos de idade, no Incor, em São Paulo, onde havia sido internado com insuficiência cardíaca grave. Glauce informou que pretende resgatar a dimensão de Burity na vida pública paraibana e nacional, bem como a sua trajetória como um intelectual humanista e profundo, um cultor da Filosofia do Direito.
Para a viúva do ex-governador, falar em “desfalque impactante” com o desaparecimento de Burity não é lugar-comum. “A sua contribuição foi inestimável e chegou a surpreender meios políticos locais, pela seriedade com que encarava a vida pública, bem como pelos compromissos e preocupações com as demandas mais urgentes da população”, revelou dona Glauce, aludindo à “sensibilidade” do ex-governador, por exemplo, em relação a situações desafiadoras, de extrema dificuldade para o Estado, como ocorreu em período de secas na região do sertão. Na oportunidade, Burity, informado de entraves do governo federal para liberar verbas extraordinárias a fim de atender às populações mais carentes, tomou a decisão de bancar, com recursos do Estado, o pagamento de famílias contratadas para atuar em frentes de serviço no semiárido, compensando, principalmente, as mulheres gestantes. Houve inúmeras outras iniciativas de repercussão social das administrações do ex-governador, da Saúde à Segurança Pública, como a criação da Operação Manzuá, sem falar no amplo incentivo que ele concedeu às artes e cultura no Esrado, tendo, também, investido maciçamente em obras de infraestrutura.
No livro “Esplendor & Tragédia”, o jornalista Severino Ramos, já falecido, que foi secretário de Cultura de Tarcísio Burity, descreve o atentado que ele sofreu no restaurante “Gulliver”, em João Pessoa, já fora do governo, quando foi atingido por tiros de revólver disparados pelo então governador Ronaldo Cunha Lima, um episódio que teve ampla repercussão nacional. Na primeira vez em que ascendeu ao governo do Estado, Tarcísio de Miranda Burity foi sacramentado por “via indireta”, escolhido em convenção interna do PDS e homologado pelo presidente da República. Ele derrotou na convenção o ex-deputado Antônio Mariz, que tentou dar à campanha respaldo popular, na condição de dissidente, apesar da escolha ser indireta. Foi no primeiro governo que Burity venceu resistências da classe política e de segmentos da imprensa. Até então, era tratado como “neófito” e foi chamado pela revista “Veja”, em matéria especial, de “obscuro professor universitário”. Glauce lembra, porém, que Burity já possuía uma vasta trajetória acadêmica ou intelectual e era respeitado nos mais diferentes círculos culturais, do Brasil e do exterior.
A repercussão positiva do primeiro governo foi o passaporte definitivo para a conversão de Tarcísio Burity à atividade política. Em 1982, ao fim do mandato inicial, ele concorreu à Câmara dos Deputados e alcançou expressiva votação. Em Brasília, formou ao lado de um grupo dissidente do PDS-PFL, denominado “Participação”, que pugnava por reformas políticas e sociais e pela abertura plena, mediante eleições diretas e convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Tais bandeiras chegaram a ser empalmadas por Burity em entrevistas a jornais de grande circulação como “O Estado de São Paulo”, “Jornal do Brasil”, “O Globo” e a revista “Veja”. Ele acabou ingressando no PFL, de onde migrou em 1986 para o PMDB, com a condição de ser o candidato ao governo do Estado, substituindo ao senador Humberto Lucena, que enfrentava problemas de saúde e estava internado em São Paulo. Burity revelou-se um fenômeno nas urnas, ganhando a eleição ao governo por quase 300 mil votos de diferença sobre o competidor, Marcondes Gadelha.
No segundo governo, Burity enfrentou sérios problemas decorrentes da crise econômica nacional e, em termos locais, de divergências políticas com então aliados do próprio PMDB. Ele acusou parlamentares da legenda de boicotarem pedidos de empréstimo internacional que havia tentado contratar através do Senado e na polêmica travada chegou a qualificar o Senado como “vergonha nacional”, tendo, depois, se retratado perante a Mesa e o colegiado da instituição. Primeiro governador do país a apoiar a candidatura de Fernando Collor de Mello a presidente da República em 1989, Burity foi traído pelo mandatário e por sua equipe econômica, chefiada pela ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, que determinou a liquidação extrajudicial do Paraiban, o banco estadual de fomento, criando problema de grave repercussão social. Burity desabafou que fora apunhalado pelas costas. Ao mesmo tempo, enfrentou derrotas na Assembleia Legislativa em eleições para eleição da Mesa Diretora. Desligou-se do PMDB após troca de missivas com o senador Humberto Lucena, que tiveram amplo destaque na imprensa escrita.
– Burity foi um homem público que teve a coragem de tomar decisões contrariando interesses de grupos e de forças influentes – avalia a escritora Glauce Navarro Burity. Numa das matérias sobre o estilo de atuação do ex-governador, a revista “Veja” definiu que ele não tinha paciência para o “varejo político”, por estar comprometido com as grandes causas de interesse público. Numa vinda à Paraíba a fim de apaziguar o governador e dissidentes do PDS que arquitetaram virada de mesa no Poder Legislativo, o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, referiu-se a Burity como um político brilhante, “mas não convencional”, uma referência ao estilo inovador que o ex-professor universitário tentou implementar no quadro político paraibano. O livro de Glauce Burity contém revelações de impacto, embora ela insista em que seu interesse é o de “resgatar a dimensão” do intelectual e homem público com quem casou e teve filhos. “Quando se observa a paisagem política dos dias de hoje, dá para constatar que Burity era uma exceção, daí a falta enorme que faz no debate político das questões públicas”, finaliza Glauce.