Em relatório paralelo entregue à CPI da Covid, o senador Eduardo Girão, do Podemos-CE, sugere que o secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas, seja indiciado por quatro crimes devido a suspeitas de corrupção na compra de respiradores na pandemia do novo coronavirus. Os novos crimes imputados a Gabas por Girão são organização criminosa, improbidade administrativa, corrupção passiva e fraude em licitação ou contrato dela decorrente. Ao UOL, Carlos Gabas afirmou estar “indignado” e disse que o pedido é uma maneira de desviar o foco das investigações relacionadas ao governo federal na Comissão Parlamentar de Inquérito. Para ele, a sugestão de indiciamento por Girão, que se diz independente, tem motivação política.
“O consórcio pagou antecipado por respiradores que não foram entregues e não denunciamos à polícia. Os empresários foram presos. É uma cara de pau, uma desfaçatez imensa de Girão”, afirmou Gabas. O Consórcio Nordeste é formado por nove Estados nordestinos – Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí e Sergipe. O grupo comprou da empresa HempCare Pharma Representações 300 ventiladores pulmonares no valor de R$ 48,7 milhões. A Bahia receberia 60 aparelhos e os demais Estados, 30 aparelhos. Apesar do pagamento em abril de 2020, os objetos nunca foram entregues. Girão ressalta que a HempCare se dedica a comercializar produtos à base de maconha e não tem experiência na importação de itens hospitalares. Ainda, que tem sede “em endereço residencial na cidade de São Paulo”.
Na avaliação de Girão, cláusulas contratuais não foram seguidas, há indícios de série de irregularidades e Gabas é um dos principais responsáveis pelo negócio. Investigações policiais foram realizadas e o caso continua na mira de autoridades, inclusive de deputados da CPI da Covid instalada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Ao longo do relatório, Girão faz críticas ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao longo da pandemia, mas não vê crimes do mandatário. Ele também diz que não foram encontradas quaisquer evidências sobre atos e omissões ilegais praticados por autoridades e servidores da administração pública federal no enfrentamento da pandemia.
– Não há que se falar que o presidente da República foi omisso em relação à maioria e mais importantes obrigações para com a população brasileira durante esse flagelo – avalia. Para ele, foi possível observar que “a postura do governo federal em relação ao isolamento e ao uso de máscaras foi deficiente, tanto pela ausência da necessária ênfase na defesa do isolamento social como pela postura pessoal do presidente da República, que, diversas vezes, possibilitou ou deu motivo a aglomerações em momentos graves da pandemia e colocou em dúvida a eficácia das máscaras ao não as usar em diferentes momentos”. No entanto, para Girão, a CPI da Covid “não apresentou resposta adequada para solucionar a dicotomia isolamento social e demandas econômicas, optando por manter as investigações tão somente na tese de que o governo federal não defendia o isolamento e não estimulava o uso de máscaras”.
Em um determinado momento, o senador diz que “a antecipação do pleito eleitoral, marcadamente pelas lamentáveis e desastradas posturas do governador de São Paulo também teria contribuído para as escolhas de Bolsonaro”. Ao comentar o tratamento precoce, Girão afirma que o governo federal “foi tragado pela divisão na comunidade médica e científica” mas que não deveria ter adotado esse debate. Girão critica como o assunto foi abordado na CPI e ressalta que a comissão cometeu o equívoco de generalizar, confundindo o termo tratamento precoce, que envolve mais de 17 medicamentos, com apenas um ou alguns deles, como a hidroxicloroquina, cloroquina ou a ivermectina. Quanto ás suspeitas de corrupção ou de erros nas negociações de vacinas, Girão recomenda o aprofundamento das investigações dos casos Davati, Sputnik V e Covaxin, no qual enxerga indícios de conduta irregular por parte de agentes públicos e privados. Ao longo do relatório, Girão critica o grupo majoritário da CPI por não ter conduzido os trabalhos de forma a aprofundar as investigações de suspeitas de irregularidades em Estados e municípios com verbas federais, parte do objetivo de seu requerimento que ajudou a criar a comissão.
– Ademais, negociatas fraudulentas feitas por Estados e municípios junto a empresas sem qualquer qualificação para a compra de insumos, se valendo de recursos federais, não ficam restritas aos casos concretos do Consórcio do Nordeste – diz trecho do documento. Eduardo Girão apresentou o relatório de 77 páginas como “voto em separado”, isto é, a versão que diverge parcial ou integralmente das conclusões do relator oficial da CPI da Covid no Senado, Renan Calheiros. O texto do emedebista sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por nove supostos crimes, além de outras 65 pessoas e duas empresas por um total de 24 delitos que teriam sido cometidos durante a pandemia. O documento de Renan conta com mais de 1,1 mil páginas e deve ser votado hoje.