Nonato Guedes
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, em seu blog na revista “Veja”, lamenta o que chama de “desapreço” do presidente Jair Bolsonaro pela ‘liturgia’ do cargo e ressalta que a forma como o mandatário procede “diz bem de seu despreparo para ocupar a posição mais excelsa do Brasil”. O economista paraibano, sócio da consultoria Tendências, exemplifica atitudes do presidente que considera inadequadas. “Falar aos berros contra as instituições, como fez na Avenida Paulista no dia Sete de Setembro, chamar de canalha um ministro do Supremo Tribunal Federal e arvorar-se de rei medieval ao dizer que não cumpriria determinação judicial são provas eloquentes de seu destempero e desequilíbrio”.
Embora, aparentemente, Bolsonaro tenha moderado seu comportamento nos últimos dias, quanto à agressividade no falar e no trato com autoridades e instituições, Maílson avalia que são muitos os casos de comportamento reprovável. “Não é estranho, pois, que ele não se preocupe em seguir, com bons modos, a liturgia do cargo”, arremata. Citando George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, que “foi um mestre na liturgia do cargo”, Maílson compara que Jair Bolsonaro “é o antípoda de Washington”. E ensina que o termo “liturgia do cargo” denomina os ritos e as cerimônias das igrejas cristãs mas a área política adotou-a por seu conteúdo solene. “Fala-se também em majestade do cargo”, pontua.
Para Maílson, “entre os que viram a foto de Bolsonaro comendo pizza com ministros em pé, numa calçada de Nova York, há os que idealizaram a cena como o retrato de um presidente autêntico Na verdade, ali se viu desleixo e comportamento lamentáveis. Altos servidores precisam dar-se ao respeito”. Frisa que o cargo de presidente da República tem alto valor simbólico. “Como ele discursa, se veste e se dirige ao público repercute. Líder maior do país, deve servir de exemplo. Dele se esperam compostura, tolerância, sobriedade, temperança e autocontrole. Daí, concluir que “Bolsonaro não deveria calçar sandálias de plástico em público nem receber autoridades trajando camisetas de clubes de futebol”.
O ex-ministro nega que sua postura seja elitista. E raciocina: “Na democracia representativa, pressupõe-se que a eleição é um processo de seleção de pessoas da elite com atributos para o trato da coisa pública. Isso implica a percepção da liturgia e do significado do exercício do poder, requerendo posturas compatíveis com essas qualificações. Foi assim com George Washington. Herói épico da vitória na Guerra da Independência contra a Inglaterra, renunciou à remuneração de comandante das tropas. Liderou com equilíbrio, firmeza e dignidade a assembleia que escreveu a Constituição. Lá, perguntado se o chefe do governo deveria ser tratado como “Sua Alteza” ele optou por chamá-lo simplesmente de “Senhor Presidente”, como é até hoje. A força do seu caráter foi fundamental para aprovação do texto final e para sua ratificação pelos treze Estados originais”.
Conta Maílson que, eleito por unanimidade pelo Colégio Eleitoral, Washington pensou nos mínimos detalhes quando se deslocou, em 1789, de Mount Vernon para Nova York, onde tomaria posse do cargo (a cidade foi a capital entre 1785 e 1790). Avaliava que cada gesto e cada ação criariam precedentes para os próximos governos. No discurso de posse, declarou que gostaria de renunciar a seus honorários. Seu desprendimento não resistiu à lógica. Não foi atendido nessa pretensão. Se fosse assim, somente os ricos, como ele era, poderiam exercer a Presidência. Washington foi talvez o presidente que mais honrou o cargo”. Observa, então, que, no Brasil, Bolsonaro foge desses exemplos, embora a compostura “seja essencial no exercício da Presidência da República”.