Nonato Guedes
Sucedem-se as denúncias de fraude e ameaças de judicialização do resultado das prévias do PSDB para escolha do candidato do partido à presidência da República nas eleições de 2022. As prévias deverão se realizar neste mês de novembro, tendo como principais oponentes os governadores de São Paulo, João Doria, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, mas contando, também, com o ex-senador Arthur Virgílio (AM). A esta altura, o clima de guerra declarada entre os principais postulantes retira o brilho das prévias, que eram tidas como exemplo de democracia interna, ao mesmo tempo em que expõe o partido ao risco de sair da pré-campanha mais fragmentado do que entrou.
Uma reportagem do UOL mostra que nas últimas semanas a disputa entre os governadores Eduardo Leite e João Doria tem passado do ponto que a cúpula do partido considera saudável publicamente. Oficialmente, as campanhas ainda falam em apoio irrestrito ao vencedor, mas expoentes do PSDB consideram isso cada vez mais distante. O empenho pelo fortalecimento do partido através do pleito interno ainda é defendido por líderes de destaque, num esforço desesperado para salvar aparências. Sem um candidato natural, a Executiva do PSDB tem repetido desde o começo do ano que a formulação das prévias o recolocaria nos holofotes e ajuda a reposicionar a imagem do partido, tradicionalmente conhecido por escolher seus presidenciáveis em mesas dos restaurantes mais caros de São Paulo ou Brasília.
Líderes tucanos usavam como exemplo as prévias do Partido Democrata nos Estados Unidos em 2020. Ali, a pré-campanha teve debates fortes entre os postulantes, mas, com a escolha de Joe Biden para enfrentar o então presidente Donald Trump, todos se uniram em torno dele, que acabou ganhando as eleições gerais em novembro do ano passado. No Brasil, o cenário, entretanto, é diferente e, nas duas últimas semanas, a possibilidade de que o PSDB venha a estar unido em torno de um único nome em 2022 parece cada vez mais remota entre os peessedebistas. As farpas entre João Doria e Eduardo Leite já tinham começado nos bastidores, com compartilhamento de figurinhas e piadas em grupos de WhatsApp. Em um encontro em São Paulo, Leite ressuscitou o BolsoDoria de 2018 ao passo que Doria passou a relembrar publicamente o posicionamento dos deputados tucanos do Rio Grande do Sul, mais próximos ao governo do que os paulistas.
O relacionamento com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tomou o centro do primeiro debate entre os três concorrentes, com ataques diretos que repercutiram negativamente. O quadro se agravou na semana passada em meio à denúncia de fraude na filiação de 92 prefeitos paulistas por parte do PSDB-SP para que pudessem votar nas prévias. Um dossiê foi elaborado por grupo formado por quatro diretórios estaduais (Bahia, Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), que apoiam Leite, e alegam que as filiações foram desencadeadas após o prazo concreto. O candidato gaúcho logo pediu que o caso fosse apurado. Doria, após alguns dias em silêncio, passou a responder que ninguém vai “ganhar no tapetão”. Neste meio de tempo vazaram conversas de um grupo de sua campanha que mostrava preocupação com o julgamento, o que deixou furioso o governador paulista, cuja campanha registrou um boletim de ocorrência por “indícios de hackeamento”.
Seguindo o modelo da tradição norte-americana, o PSDB planejou fazer uma grande convenção em Brasília para a apuração dos votos dos seus representantes no dia 21 de novembro. Os filiados devem votar por um aplicativo desenvolvido especialmente para as prévias, mas é esperado que as autoridades e lideranças tucanas votem presencialmente na capital federal. O plano é reunir as três campanhas, apoiadores, parlamentares e ex-presidentes do partido para que, assim que sair o resultado, seja declarada a união em torno do laureado. A Paraíba participará das prévias tucanas mas com um número restrito de representantes. O partido, presidido pelo deputado federal Pedro Cunha Lima, está dividido entre Doria e Leite, os quais já vieram ao Estado para dialogar com filiados, falar à imprensa e apresentar supostos projetos para a hipótese de assumirem o figurino de presidenciáveis.
O problema de fundo do PSDB, que está se refletindo nas prévias internas, é o visível enfraquecimento do partido, que deixou de polarizar as eleições presidenciais com o Partido dos Trabalhadores e não conseguiu recuperar espaços de influência política na sociedade. Em 2018, por exemplo, tanto Doria quanto Eduardo Leite preferiram acomodar-se no “guarda-chuva” do palanque de Jair Bolsonaro contra o candidato do PT, Fernando Haddad. Doria foi mais ostensivo no engajamento em São Paulo, enquanto Leite evitou ir a palanques com Bolsonaro. As prévias de agora deveriam ter justamente a finalidade precípua de ressuscitar o carisma do PSDB. Ao invés disso, parecem estar conduzindo o partido para a divisão irreversível. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, condestável tucano, fez um movimento que dá uma ideia da descrença dos próprios tucanos sobre sua força: recebeu o ex-presidente Lula da Silva para uma conversa e admitiu-lhe apoio num segundo turno contra Bolsonaro. O gesto é lembrado ainda hoje como espécie de pá de cal nas ilusões de que o PSDB venha a ter candidato competitivo à presidência da República em 2022.