Nonato Guedes
Político que inscreveu seu nome, em lugar de honra, entre os “cruzados” da luta pela transposição das águas do rio São Francisco, o ex-senador e ex-deputado federal Marcondes Gadelha (PSC) celebra os avanços em ritmo acelerado que o projeto volta a alcançar, com ações concretas por parte do governo federal, e adverte que todo e qualquer esforço deve ser empreendido para que a obra não venha a se transformar num “elefante branco”, mas, sim, num empreendimento utilitário, que promova a redenção do pequeno produtor quanto à sua sobrevivência pessoal e à garantia de mercado para exportação de produtos derivados da água e da energia renovável, numa combinação, segundo ele, revolucionária e sem precedentes. O fecho da batalha pela interligação de bacias no Nordeste, a seu ver, é o contraponto à história trágica de pobreza e miséria que tem acometido o povo desta região ao longo de décadas.
O ex-senador Marcondes Gadelha, que ainda participa da cena política estadual e nacional, mas não ocupa mandatos eletivos, descreveu a “saga da transposição” numa entrevista concedida no último domingo ao programa “Trem das Onze”, transmitido pela rádio Alto Piranhas, de Cajazeiras, tendo como âncora o jornalista Fernando Caldeira e como entrevistador o jornalista Salles Fernandes. Na oportunidade, recapitulou episódios dramáticos que se sucederam em meio a debates acirrados, a atos públicos e manifestações de grande repercussão e a decisões judiciais que, à certa altura da batalha, interromperam a execução do projeto. O ponto alto de toda a mobilização desenvolvida, de acordo com Marcondes, foi a capacidade de resiliência das lideranças de diversos segmentos empenhados na causa da transposição ou atraídos pela sua urgência e relevância para o semiárido do Nordeste brasileiro. Nas suas palavras, houve como que um “fervor cívico” que tornou o projeto irreversível e manteve a sociedade em vigília para que o “ouro” a que a água do Velho Chico foi alçado não virasse pó.
O que ressalta do testemunho vívido de Marcondes Gadelha é que não houve esmorecimento nem quando os obstáculos pareciam intransponíveis e as demandas restritivas despontavam no horizonte. Ele lembrou que não havia unanimidade a respeito do projeto nem mesmo dentro do Nordeste, onde pipocaram reações alertando para os riscos de planejamento mal feito que viesse a prejudicar o meio ambiente, agravando a situação climática ao invés de melhorá-la. Para o ex-senador, as objeções de ordem técnica, suscitadas em tom de colaboração, eram sempre acatadas nos núcleos de defesa da transposição e inevitavelmente encampadas no formato final que o projeto ia tomando. Mas ele se queixa, com justificada razão, que houve adversários da transposição nos meios judiciais, políticos e midiáticos, de tal sorte que uma bandeira que fora concebida para unir se convertera numa guerra, tendo como pano de fundo interesses subalternos de grupos ou pessoas e até mesmo sinais visíveis de desinformação. Como ele admitiu, a desinformação ou o desinteresse pelo tema desencadeou, em inúmeras situações, o preconceito, tornando vulneráveis os argumentos expendidos pelos “cruzados” da interligação de bacias.
Nesse sentido, Marcondes mencionou a grande repercussão alcançada, inclusive, na mídia internacional, por uma greve de fome deflagrada pelo bispo dom Luiz Flávio Cappio, na diocese de Barra, na Bahia, um dos Estados do Nordeste por onde passariam os limites da transposição. O religioso era contrário ao projeto, por ele considerado oneroso, e alegava recear, também, os impactos ambientais que poderiam advir para o ecossistema da região nordestina, tendo ficado em jejum por 24 dias, iluminado pelos holofotes. A atitude isolada do bispo estimulou a falsa impressão de que toda a Igreja era contrária à transposição das águas, mas não demorou a ganharem corpo outras vozes, favoráveis ao projeto e, mais do que isso, engajadíssimas na sua consecução, como uma espécie de coroamento da luta contra desigualdades regionais. Da Paraíba emergiu o padre Djacy Brasileiro, com atuação no Vale do Piancó e Sertão, que protagonizou ida a Brasília onde ergueu uma cruz de latas na Praça dos Três Poderes, desafiando as autoridades e a classe política a agirem com rapidez na aceleração do projeto redentor.
Contou Marcondes Gadelha, na entrevista ao jornalista Fernando Caldeira, que o primeiro projeto referente à transposição, a nível de governo federal, foi de autoria do ministro Aluízio Alves, um nordestino do Rio Grande do Norte que ocupava cargo no primeiro escalão do governo Itamar Franco (o presidente que sucedeu a Fernando Collor por ocasião do impeachment deste, em 1992). O próprio Estado natal de Itamar, Minas Gerais, posicionava-se, então, contrariamente ao projeto, mas o presidente da República fincou pé e autorizou o prosseguimento dos estudos que, por volta de 1994, dariam contornos mais efetivos à causa da transposição de águas. No caso da greve de fome do bispo de Barra, os defensores da transposição fizeram gestões junto ao próprio papa Bento XVI, através da Nunciatura Apostólica no Brasil, para que mediasse solução conciliatória sem o sacrifício das aspirações do povo nordestino.
O ex-senador paraibano reconheceu que coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nordestino natural de Pernambuco, dar o pontapé decisivo para que a transposição das águas do rio São Francisco se tornasse realidade plena. “Foi no governo do ex-presidente que o projeto adquiriu maturidade absoluta, a partir daí conseguindo vitórias em série no âmbito do Supremo Tribunal Federal e em outras esferas para a remoção de entraves burocráticos e outros empecilhos. Ouvindo-se atentamente a exposição de Marcondes Gadelha a respeito da cronologia de fatos ainda tão recentes na história do país não há como não se empolgar com a narrativa de uma batalha que, parodiando o ministro José Américo de Almeida, parecia impossível até seu desfecho. E não há como não reconhecer que Marcondes Gadelha esteve na linha de frente dessa “guerra”, como um soldado da Paraíba e do Nordeste, junto com os “confederados” de outros Estados que, no fim, clamavam apenas por justiça para esta região sofrida e maltratada por elites dominantes ao longo dos séculos.