Linaldo Guedes
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A nova Música Popular Brasileira vai muito bem obrigado! Quem duvida, basta conferir os nomes que vem surgindo em nossa cena musical nos últimos anos. Um desses nomes é Gabi Buarque, que em “Mar de gente” reúne canções que mistura samba carioca, ritmos nordestinos e até fado português. O CD tem produção da própria Gabi e de Luís Barcelos.
O ouvinte é convidado, na voz suave de Gabi, a passear por um repertório de canções inéditas que trazem de volta o prazer de escutar belas e suaves canções, com arranjos sofisticados, letras sensíveis e poéticas e interpretações que mudam de tom de acordo com o ritmo da música.
Assim, em “Samba rezadeiro”, a primeira faixa, numa parceria com Roberto Didio, a gente vê pontuar o acordeon de Kiko Horta: “Ralou a cantoria na tristeza de um samba derradeiro”, entoa a canção. Logo em seguida, “É”, em parceria com a compositora e poeta Socorro Lira, não tem como não lembrar de uma canção antiga de Alceu Valença, a falar que “Nem tudo é tão ruim, nem todo vinho é porre” e que “A vida é assim, a gente anda, anda, quando fica bom, a gente morre”.
Outra parceria com Socorro Lira – Se cesse – tem um título bem regional para uma letra que esbanja poesia no timbre anasalado de Gabi Buarque. Tudo isso pontuado com um recital de “O amor”, de Fernando Pessoa, numa voz personalíssima e que se impõe como original também.
Em “A voz do vento”, Gabi Buarque dialoga tão liricamente com o violão de Luigi Barcelos que é impossível não se encantar ao ouvi-la: “Vou cantando a voz do vento que é pra ele lhe encontrar”. Nesta canção, sua voz e o violão de Barcelos parecem ficar em duelo, mas um duelo suave, duelo de talentos que se complementam.
E que lindeza é “Lucia Luzia”, parceria com Maria Sereno! Novamente o acordeon de Kiko Horta dá um show, nos remetendo novamente a Alceu de “Porto da Saudade”, mas também a Xangai, Vital e outros do cancioneiro regional nordestino: “tinha nos óio o clarão da lamparina”! Tão Nordeste! Tão Brasil!
Em “Morena do Mar”, Gabi e Silvia Duffrayer (que também faz vocal) constroem um samba no melhor estilo de Clara Nunes, um samba de roda numa bela homenagem a iemanjá. “Gente é pedra” é mais uma parceria com Socorro Lira e aqui um flerte sutil com Elomar: “o tempo que endurece a rocha é o mesmo que amolece a gente”
“Pulso aberto”, de Maria Rezende, é um poema recitado sobre o que é ser mulher, a multiplicidade que existe em cada mulher, a mulher multidão. E olha que ela faz tudo isso com a voz à capela! “Os muros”, com Socorro Lira, é sobre medos. E também sobre Mandela, Clarice, Wilde, Tolstoi, Violeta, Frida, Augusto, Floberla, Mia Couto – referências gabinianas que nos envolvem numa canção fundamental para os tempos atuais.
Em “Concha”, parceria com Angélica Duarte, o charme é o piano fantástico de Cristovão Bastos. Em “Quantos”, temos uma balada pop que lembra a ditadura, ataca o negacionismo do Brasil de hoje: “de que lado vamos acordar quando a claridade for o breu”, provoca.
“Penha” é uma homenagem ao bairro carioca, numa roda de choro. E “Mar de gente”, a música que dá título ao disco, é um samba-manifesto que homenageia a democracia e autoras negras, como Conceição Evaristo, Carolina Maria do Jesus e Maria Firmina dos Reis. Cita Marielle e tem um final apoteótico.
Nascida na cidade do Rio de Janeiro, Gabi Buarque é cantora, compositora e instrumentista. Conta sua biografia que herdou de sua mãe o dom de desenhar e improvisar soluções com pouco material. Ganhou aos 11 anos uma poesia de seu pai, engenheiro e professor, que lhe ensinou a batalhar pelos seus sonhos com perseverança e cautela. “A minha música é um espelho do que ouço, vejo, sinto, penso e vivo”, diz Gabi. Sim, sua música é cheia de referências do que há de melhor na literatura, nas canções, na sua forma de cantar. Mas Gabi tem algo só dela! É, sobretudo, descoberta que temos cantoras maravilhosas. Não deixem de escutá-la.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.