Nonato Guedes
Em vigor no país desde as eleições de 1998, a reeleição para ocupantes de cargos executivos é questionada, de tempos em tempos, por segmentos políticos irresignados ou com interesses contrariados e por vozes respeitadas do meio acadêmico, mas não consegue, concretamente, mobilizar a sociedade. Primeiro presidente da República beneficiário do instituto, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a ser acusado de comprar votos no Congresso Nacional para obter apoio ao experimento, que, diga-se de passagem, é consagrado na tradição de países avançados, como os Estados Unidos. Entre os governadores bafejados por um novo mandato figurou, logo em 98, na Paraíba, o peemedebista José Maranhão, que “massacrou” nas urnas o ex-deputado Gilvan Freire (PSB), apoiado pelo grupo Cunha Lima depois que este perdeu convenções no PMDB para controle do partido.
Num aspecto, a reeleição é incontestável: ela favorece gregos e troianos. Além do tucano Fernando Henrique Cardoso, os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram reconduzidos ao poder num segundo pleito, sendo que o mandato de Dilma foi abreviado por causa do impeachment decretado pelo Congresso Nacional, em meio a denúncias de pedaladas fiscais cometidas no seu governo, conforme investigação do Tribunal de Contas da União. Os que são contra a reeleição alegam que ela é desigual e antidemocrática porque tende a favorecer os que já estão no poder. Esse é um conceito relativo, como tem sido provado ao longo dos tempos. Ainda agora, exibindo controle da máquina administrativa federal e promovendo uma orgia de liberação de recursos para políticos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enfrenta altos índices de impopularidade e aparece em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto para 2022 em relação a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Se a hipocrisia fosse deixada de lado e houvesse, realmente, sinceridade nas manifestações de políticos, sejam da esquerda, da direita, do centro ou da margem, a polêmica quanto ao fim da reeleição seguramente não existiria, até porque, no imaginário popular, criou-se a impressão de que é uma oportunidade para o governante que está à frente do cargo ser “plebiscitado” nas urnas, isto é, ter o julgamento popular ou o “feeedback” das ações que empreendeu ou deixou de empreender num primeiro mandato executivo. Em última análise, cabe ao povo a decisão sobre se reelege um governante ou se lhe dá cartão vermelho diante de impedimentos praticados no exercício administrativo ou por falta de correspondência sobre promessas alardeadas em praça pública no calor da disputa eleitoral propriamente dita. O que parece racional é que sejam redobradas medidas para evitar abusos de poder político e econômico por parte dos que manejam os cordéis do poder – e, nesse ponto, infelizmente, os legisladores não avançam porque estão sempre comprometidos com interesses e candidaturas.
A propósito do assunto, há uma dissertação do analista Murillo de Aragão na última edição da revista “Veja”, da qual é colunista, pregando o fim da reeleição sob o argumento de que o atual sistema não atende aos interesses da cidadania. “A elite pensante, independentemente de posição ideológica, também deve se posicionar sobre a questão e colocá-la na pauta das prioridades”, provoca o colunista, emendando: “Devemos, ainda, indagar aos presidenciáveis o que eles pensam a respeito do assunto. E, na impossibilidade de aprovar a emenda constitucional existente, eles deveriam se comprometer a não disputar a reeleição. Para o bem do país”, enfatiza Murillo de Aragão, uma figura que parece acreditar em Papai Noel. Não são de todo insensatas as ponderações do colunista. Ele observa, por exemplo, que presidentes, governadores e prefeitos, de modo gera, governam pensando em se reeleger. Assim, seus atos e ações miram os próprios problemas e a criação de condições para a sua permanência no poder.
– A agenda nacional – prossegue Murillo de Aragão – mal e mal ocupa o primeiro ano e meio do mandato executivo. Isso porque, já no segundo ano, o presidente se preocupa com os pleitos municipais, que servem de ensaio para a disputa presidencial. Eleições para cargos do Executivo a cada dois anos engessam o debate em torno da agenda eleitoral. A preocupação reeleitoral contribui também para a postergação da agenda de reformas. Por ser um tema impopular, com seus resultados sendo vistos apenas de médio a longo prazo, a pauta das mudanças estruturais perde força de forma precoce. A reeleição dificulta ainda o gerenciamento das coalizões. Como muitos dos partidos que são da base aliada dos governos também possuem seus interesses, após a chamada “lua de mel” dos presidentes, governadores e prefeitos com a opinião pública, esses partidos começam a majorar o custo da governabilidade, principalmente quando quem está no poder mostra fragilidade.
E conclui: “A reeleição acabou favorecendo o personalismo na política e limitando a renovação dos quadros partidários. Sem renovação, lideranças buscam outras legendas ou, o pior dos mundos, criam novas agremiações. O sistema político nacional, obviamente, não atende aos interesses da cidadania. É fragmentado e foi turbinado ao longo de décadas por doações, por dentro e por fora, que distorcem os resultados. É um balcão de negócios para muitos, pois faz a fortuna de alguns poucos que controlam os botões dos gastos públicos. A possibilidade de reeleição piorou o que já era ruim”. Em 2015, a Câmara Federal aprovou uma emenda constitucional que acabava com a reeleição para cargos do Executivo. A proposta acabou sendo fatiada e a parte referente à reeleição deixou de ser apreciada, fazendo com que o projeto adormecesse no Senado. Se dependesse de Murillo de Aragão, haveria agora, às vésperas de eleições presidenciais, uma ampla reflexão sobre o tema. Só que o tema não interesssa aos políticos nem agita a sociedade. Perguntem a Luiz Inácio Lula da Silva o que ele pensa da reeleição, na hipótese de vitoriar no pleito de 2022 para voltar à Presidência da República…