Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, atacou duramente a PEC dos precatórios, em discussão no Congresso Nacional, qualificando-a como “a pior da história” e definindo que ela contém um rosário de impropriedades que pode acarretar sérios problemas para o país. Em primeiro lugar, Maílson sustenta que se trata de um calote contra direitos a indenizações, reconhecidos pelo Judiciário e relativos a perdas decorrentes de erros de cálculo do governo. “Trata-se de obrigações líquidas e certas, de cumprimento irrecusável. O precatório é uma ordem de pagamento que deve ser paga. O descumprimento põe em dúvida a credibilidade e a seriedade do governo”, expõe Maílson.
Sócio da consultoria Tendências, respeitada no mercado financeiro e em outros setores da sociedade, Maílson acrescenta que a PEC esconde do público os valores não pagos, o que conspira contra o princípio constitucional da publicidade. “Esses processos têm duas fases: 1) a sentença que reconhece o direito à reparação; 2) – o precatório, uma certidão que atesta esse direito. A PEC proíbe o Judiciário de emitir essa certidão, o que é inacreditável”, verbera ele. O texto-base da Proposta de Emenda Constitucional aprovado na Câmara foi relatado pelo deputado federal Hugo Motta, do Republicanos. Maílson alerta o Senado para fazer uma “análise serena” do tema, observando que isto recomendaria a rejeição da “PEC do calote”.
O ex-ministro elencou, em artigo na revista “Veja”, que a PEC aumenta artificialmente o teto de gastos, ampliando despesas dos três poderes e, em vez do ajuste pelo IPCA dos doze meses anteriores a junho de cada ano adota o período de janeiro a dezembro porque a inflação deste ano será maior. Com isso, abre-se espaço para financiar um programa incerto e confuso para substituir o testado Bolsa Família, e para emendas parlamentares e outros fins. “Uma pedalada”, emendou Maílson da Nóbrega. O deputado Hugo Motta havia justificado seu parecer favorável referindo-se aos valores que seriam injetados em Orçamento para custeio do “Auxílio Brasil”, sucedâneo do Bolsa Família que Bolsonaro tem anunciado.
Um quarto aspecto abordado pelo economista paraibano diz respeito ao limite em 40 bilhões de reais dos pagamentos de precatórios, transferindo o excedente para o exercício seguinte (bilhões irão para 2023). Como haverá novas sentenças, prevê que vai se criar uma bola de neve. E cita opinião de um consultor do Senado de que, em quinze anos, o estoque seria de quatro trilhões de reais. “Ficará impagável”, sentencia. Maílson pondera que a PEC, igualmente, cria um “jabuti”, autorizando a moratória de dívidas municipais com a Previdência. E ironiza: “Segundo um ditado, jabuti não sobe em árvore. Se está lá, alguém o colocou. Por esse método espúrio, incluem-se sub-repticiamente assuntos estranhos em um projeto para atender a certos interesses, “nem sempre nobres”.
Na avaliação de Maílson da Nóbrega, o objetivo é nitidamente eleitoreiro. “Pretende-se mudar a intenção de voto dos beneficiários do novo Bolsa Família, localizado basicamente no Nordeste. Por grande maioria, eles não apoiam a reeleição do presidente (Jair Bolsonaro), conforme dizem várias pesquisas de opinião. Fere-se, então, o princípio constitucional da moralidade”. Comenta, ainda, que a Proposta de Emenda Constitucional viola a lógica do teto de gastos – de limitar despesas previsíveis, o que significa destruir a âncora fiscal. “O Banco Central fica sozinho na missão de controlar a inflação, o que implica elevar muito a taxa de juros e inibir a criação de emprego e renda. O PIB sofre”.
Em conclusão, o ex-ministro Maílson da Nóbrega opina que o risco é de o Supremo Tribunal Federal, diante das referidas impropriedades, considerar a PEC inconstitucional, o que é muito provável, a seu ver. Diz que isso ocorreu com emendas constitucionais semelhantes, as de números 30 e 62 e que o Tesouro teria de pagar os atrasados de uma só vez, pois o espaço estaria ocupado pelos gastos adicionais do Bolsa Família e outros. “O teto de gastos ruiria definitivamente, com sérias consequências negativas”, enfatiza Nóbrega, apelando para que sejam levados em consideração, na análise serena pelo Senado, os inúmeros defeitos existentes “na medida que dá calote nos precatórios”.