Nonato Guedes
A vitória do governador de São Paulo, João Doria, nas prévias do PSDB para indicação do candidato à presidência da República estava dentro da lógica das projeções sobre a disputa no ninho tucano em que concorreram, ainda, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, este na condição de anticandidato ou de “azarão”. Mas Doria terá imensos desafios pela frente, a começar pela pacificação dentro do PSDB, que, inegavelmente, saiu rachado dos embates. As prévias, em si, acabaram sendo desvirtuadas como processo democrático, descambando para a radicalização que foi refletida em troca de acusações, principalmente entre João Doria e Eduardo Leite. Como corolário da disputa, Leite recusou o convite para coordenar a campanha de Doria, ainda que fale em permanência no PSDB.
Além de buscar, em caráter de urgência, a unidade interna, ameaçada por acenos de defecções de deputados federais que aguardam apenas a abertura da janela partidária para migrar de sigla, por desconforto, Doria terá que construir pontes externas, ou seja, com outros partidos que tencionam marcar presença na corrida presidencial de 2022, e superar a expressiva rejeição que detém em pesquisas de opinião pública para a sucessão de Jair Bolsonaro. De um modo geral, como informou reportagem da revista “Veja”, são altíssimos os índices de rejeição dos presidenciáveis, de tal forma que o pleito vindouro já está sendo chamado de “eleição do mau humor”. Os percentuais coligidos elevam o risco de o Brasil eleger em 2022 não o melhor ou o mais bem preparado como candidato, mas aquele que for menos odiado pelos eleitores – informa “Veja”, com base em levantamento da consultoria Quaest, que mapeou, entre agosto e outubro, 21,7 milhões de menções no Twitter sobre os principais nomes lançados à disputa pelo Palácio do Planalto.
Sobre Doria, há citações em torno de massacre contra o servidor público, perseguição a aposentados e pensionistas e restrições a outras medidas adotadas como governador de São Paulo. Originalmente, ele pretendia capitalizar dividendos do apelido de “pai da vacina”, que se atribuiu, por ter demonstrado mais celeridade do que o governo federal na aquisição de imunizantes contra a covid-19 e, ao mesmo tempo, ter dado partida a uma ampla campanha de vacinação que foi considerada exemplar em todo o país, se comparada à incúria provocada pela postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro. Mas essa bandeira tende a se diluir em meio a focos de desgaste acumulados pelo governo e pela sua própria figura. João Doria tem a imagem de “candidato elitista”, o que foi reforçado na visita à cidade paraibana de Guarabira, no brejo, quando perguntou durante um debate quem já tinha ido a Dubai, nos Emirados Árabes. Caberá a ele, ainda, remover o entulho da ligação estreita que teve com Bolsonaro em 2018, quando se elegeu governador escorado no “BolsaDoria”.
O governador de São Paulo, após o resultado das prévias do PSDB que o consagraram como candidato tucano, deu largada à campanha eleitoral, falando sobre economia, meio ambiente, relações internacionais e criticando o presidente Bolsonaro e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do PT. Ele falou, também, sobre a possibilidade de levar adiante uma aliança com o ex-juiz Sergio Moro, também pré-candidato à presidência pelo Podemos e que aparece melhor posicionado do que Doria, de acordo com os últimos levantamentos divulgados. Mas os indícios são de que Doria cogita atrair mesmo o MDB para sua chapa, tendo a senadora Simone Tebet, do Mato Grosso, como candidata a vice-presidente. Agora, no começo de dezembro, Simone Tebet será anunciada como pré-candidata do MDB à presidência, mas o seu partido é flexível a entendimentos.
O grande problema, que não é inerente apenas a João Doria, mas também a Sergio Moro e a outros pretendentes à corrida presidencial, continua sendo o cenário de polarização que ainda se verifica para as eleições do próximo ano entre Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva. Já faz algum tempo que líderes políticos e especialistas variados quebram a cabeça para tentar furar a bolha que está cristalizada entre Bolsonaro e Lula, sem êxito. Levantamento Ipespe, divulgado na sexta-feira, apontou que o pré-candidato petista se mantém na liderança em todos os cenários de primeiro e segundo turno. Lula teria mais de 50% dos votos no segundo turno caso enfrentasse Bolsonaro, Sergio Moro, Ciro Gomes ou João Doria. Bolsonaro rivaliza com Lula, vindo atrás dele.
Seja como for, em meio a ameaças de dissidência e falta de entusiasmo, o PSDB está na obrigação moral de testar a potencialidade do governador de São Paulo, João Doria, agora como pré-candidato oficial da legenda á presidência da República. Bem ou mal, o confronto interno se encerrou e o partido virou a página desgastante do adiamento das prévias por causa do amadorismo demonstrado na montagem de um aplicativo eletrônico desenvolvido para colher votos. Doria viverá, agora, seu estágio probatório para se viabilizar. Precisará de muita habilidade política e de uma grande dosagem de humildade para dialogar com segmentos variados da opinião pública e incorporar ao seu programa pautas emergentes que estão surgindo no interior da sociedade. Essa definição do PSDB, sem dúvida, contribuiu para encorpar o quadro de opções à sucessão presidencial. Falta pouco para fechar o leque a ser apresentado ao eleitor, que, de um modo mais amplo, não parece empolgado com as eleições de 2022 no país.