Nonato Guedes
A filiação do presidente Jair Bolsonaro, ontem, ao Partido Liberal (PL), depois de passar dois anos sem partido, na sequência da sua saída do PSL, espelha o oportunismo que vigora na conjuntura política brasileira, tanto por parte de líderes como de agremiações. O PL, como mostrou um levantamento do UOL, esteve unido a governos que hoje são alvos preferenciais da direita. Em 2002, enquanto Bolsonaro era um deputado isolado do chamado baixo clero, o partido compôs chapa com o PT e emplacou o vice do então recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de um acordo que arrastaria a sigla para o mensalão. Valdemar Costa Neto, o presidente atual do PL e anfitrião de Bolsonaro, foi condenado no escândalo petista. Embora o vice de Lula, o empresário mineiro José Alencar, não estivesse envolvido diretamente em escândalo, o partido foi submetido à execração pública e desgastou-se por sua participação ativa em negociatas ou falcatruas.
O PL detém, hoje, a terceira maior bancada da Câmara, com 43 deputados e a expectativa é ver o número saltar em 2022 graças à chegada dos parlamentares que deixarão o PSL ou outras legendas para seguir Bolsonaro. O grupo atual de congressistas do PL também inclui quatro senadores e é tão heterogêneo quanto as alianças que já foram feitas pelo partido na sua trajetória. Há nomes como Capitão Augusto (SP) e a Policial Katia Sastre (SP), membros da bancada da bala, e Tiririca, integrante da sigla que mais contrariou o governo em votações, além de Marcelo Ramos (AM), vice-presidente da Câmara, que já enfrentou Bolsonaro abertamente. Para receber o presidente da República, o PL esforça-se para mostrar alinhamento, tendo a cerimônia de filiação ocorrido no Dia do Evangélico, com foco na temática religiosa, ao agrado de uma das grandes bases do eleitorado bolsonarista.
Originalmente, o Partido Liberal foi criado em junho de 1985, no Rio de Janeiro, em meio ao florescimento das legendas que surgiam com o fim do regime militar. O fundador de destaque foi Álvaro Valle, um ex-deputado fluminense, que começou a carreira política na década de 1960 e filiou-se à Arena (Aliança Renovadora Nacional), que se definiu em um documento como “expressão política da Revolução de Março de 1964”. Segundo seu manifesto de fundação, o novo partido nascia para combater, entre outros problemas, a gravíssima crise ética, o aumento do custo de vida e o violento arrocho salarial dos trabalhadores, além da queda ameaçadora e constante dos níveis de emprego e do aviltamento constante da moeda, com aumento perverso dos níveis inflacionários. Na teoria, o partido defende o liberalismo social, que apoia a abertura da economia com algum controle estatal.
Valdemar Costa Neto explica no site do PL: “O liberalismo social, portanto, não consta da mesma seara do neoliberalismo ou do capitalismo ortodoxo. Enquanto, por exemplo, os neoliberais defendem o Estado mínimo, defendemos o Estado necessário”. Nas eleições presidenciais de 1989, o partido lançou pela primeira e única vez um candidato próprio: o empresário e deputado federal constituinte Guilherme Afif Domingos, que tinha atuação marcante em São Paulo mas acabou em sexto lugar disputando num universo de 22 concorrentes. Cinco anos depois, o plano era lançar o empresário Flávio Rocha, hoje bolsonarista e dono da Riachuelo, mas a sigla desistiu e se coligou ao PSDB, que venceu no primeiro turno com Fernando Henrique Cardoso. Sabe-se que Rocha pretendia formar uma chapa com o economista Marcos Cintra, que décadas mais tarde seria secretário da Receita no governo Bolsonaro.
Ambos defendiam, já naquela época, uma ideia econômica que não teve apoio da cúpula do partido. “Eles querem que eu seja impedido de falar e dar o meu recado a favor do imposto único”, queixou-se Flávio Rocha. Depois de apoiar a candidatura de Ciro Gomes em 1998, o partido aproximou-se do PT e conseguiu fazer, em 2002, o vice de Lula, que concorria pela quarta vez. Como lembra o UOL, “o petista vestiu a faixa em Brasília ao lado do empresário José Alencar, que filiou-se ao PL naquele mesmo ano depois de vencer resistências internas”. O preço do apoio, segundo afirmou Costa Neto anos mais tarde, foi de R$ 10 milhões. O envolvimento no mensalão levou a legenda a se repaginar como PR (Partido da República), nome que perduraria até 2019. O escândalo, contudo, não significou um divórcio com os petistas.
A relação esfriou no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas o partido se coligou com a chapa de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Sob Dilma, o ainda PR foi agraciado com o Ministério dos Transportes. E foi de lá, sete meses mais tarde, que saiu o primeiro caso de corrupção daquele governo, envolvendo o então ministro Alfredo Nascimento (AM), que deixou o cargo em meio à má repercussão. Menos de cinco anos depois de ter comandado a pasta, Nascimento, que era deputado, abdicou da presidência da sigla para poder votar a favor do impeachment de Dilma, já que a orientação da bancada era em sentido contrário. A saída da petista, em 2016, levou Michel Temer ao comando do Planalto, mas uma coisa não mudou: a legenda continuou no controle do ministério dos Transportes. A filiação de Bolsonaro ao PL é um casamento de conveniência, como alertou o presidente da República. O Planalto acena com cargos e outras vantagens para expoentes da legenda e Bolsonaro controlará o partido de acordo com os seus interesses na campanha à reeleição e em outras campanhas que vão se desenrolar pelo país afora em 2022. Tudo no estilo fisiológico, que é da natureza tanto do presidente da República como dos dirigentes da agremiação.