Nonato Guedes
Já há algum tempo está em gestação na praça uma operação política triangular que consiste no seguinte: o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, se desfilia do PSDB, assina ficha no PSB e ganha condição para ser candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. Lula e Alckmin enfrentaram-se no segundo turno da disputa eleitoral de 2006, quando o petista pleiteava a reeleição e acabou sendo vitorioso nas urnas. Na época, os adversários debochavam do estilo político de Alckmin, apelidando-o de “picolé de chuchu”. Uma eventual confirmação da chapa Lula-Alckmin apenas reforçará que a política é mesmo dinâmica no país e que não se rege por coerência de ideias nem por programas partidários, mas por interesses pessoais ligados à conquista do poder.
Para o PSB, que tenta sobreviver com dificuldade no cenário nacional desde a orfandade provocada pela morte do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que parecia ter uma carreira política promissora, ter a vice de Lula é um bom negócio. A esta altura, as divergências que separavam as duas siglas estão praticamente sepultadas e em vários Estados, principalmente no Nordeste, há ensaios de alianças regionais para o pleito vindouro, cujas costuras foram comandadas pessoalmente por Lula em viagem que empreendeu lá atrás a esta região. O PT prepara-se para dar combate tanto ao presidente Jair Bolsonaro (PL) como ao ex-juiz Sergio Moro (Podemos), o magistrado que decretou a prisão do ex-presidente Lula da Silva, acusando-o de corrupção passiva. Para Lula e o PT, uma vitória dupla sobre Bolsonaro e Sergio Moro seria a consagração total e é por isso que é incessante a busca de apoios e alianças junto a forças ideológicas de centro.
A configuração por trás da manobra para viabilizar a chapa Lula-Alckmin tem a ver com a junção de forças em São Paulo, o colégio eleitoral mais importante do País, com a possibilidade de que essa costura produza efeitos colaterais em outros Estados, abrindo terreno para a reabilitação do PT nas instâncias de poder, depois de sucessivos revezes traumáticos que passaram pelo impeachment de Dilma Rousseff, pela prisão de cabeças coroadas do partido envolvidas em escândalos como o do mensalão e pela prisão do próprio ex-presidente Lula, que deu a volta por cima de maneira espetacular, conseguindo não só a liberdade mas a anulação de inúmeras condenações que lhe haviam sido imputadas. O aumento do desgaste do governo Bolsonaro é um combustível adicional para motivar os petistas na luta sem trégua pela retomada do Palácio do Planalto.
Alckmin teria a vantagem, conforme as análises políticas, de tornar a chapa do ex-presidente Lula menos radical e mais palatável politicamente, agregando apoios que são considerados decisivos para o reposicionamento do Partido dos Trabalhadores no papel de protagonista das grandes decisões no cenário institucional brasileiro. É claro que a articulação constitui movimento delicado, pelas implicações naturais de que se reveste, demandando ajustes irretocáveis. O PT tem consciência de que não pode falhar e de que precisa, com urgência, recuperar espaços de mobilidade e de influência para não abreviar sua passagem pela cena brasileira. Nesse sentido, é fundamental a habilidade para conduzir entendimentos e, sobretudo, fazer concessões, até porque o PT está entrando na seara de um outro partido que tem sua autonomia e suas idiossincrasias. O presidente nacional socialista, Carlos Siqueira (PE) deixa claro que não haverá pressão sobre Alckmin e que o partido dará a ele todo o tempo para decidir seu futuro político-partidário.
Não está descartada, no radar, a hipótese de Geraldo Alckmin concorrer ao quinto mandato de governador de São Paulo, desta feita pelo PSD, de Gilberto Kassab, mas sem dúvidas é tentadora a proposta para mudar de perfil, ingressar no PSB e se habilitar na chapa presidencial como vice de Luiz Inácio Lula da Silva. O PSB, no momento, não pensa em lançar candidatura presidencial própria e, segundo Siqueira, é natural que, como segundo maior partido de esquerda (abaixo do PT), tenha preferência para indicar o vice caso as das legendas decidam caminhar juntas em 2022. Para que o casamento seja selado, será necessário que os petistas abram mão de candidaturas a governador em quatro Estados importantes para o PSB: Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Para alguns analistas, a indicação de Alckmin para vice de Lula teria peso mais simbólico que eleitoral. Indagado sobre o que pensa sobre seu provável companheiro de chapa, Lula respondeu: “É o único tucano que gosta de pobre”.
Já Alckmin tem oferecido prévias de ensaio do discurso como iminente companheiro de chapa de Lula da Silva. Frisou, por exemplo, qie não tem “diferenças intransponíveis” com o petista que o derrotou nas urnas. Salientou, também, que o ex-presidente Lula tem apreço pela democracia e que a conjuntura atual é bastante propícia para o amadurecimento de conversas entre líderes políticos que se preocupam com o futuro da Nação. A perspectiva de uma união entre Lula e Alckmin agita os meios políticos, mas cabe lembrar que embora PT e PSDB tenham sido adversários históricos, confrontando-se em eleições presidenciais, os canais nunca ficaram totalmente entupidos entre eles. Lula, inclusive, mantém linha direta com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lhe acenou com promessa de voto num segundo turno em 2022. A costura que Lula, em pessoa, comanda, pode vir a ter desdobramentos maiores do que se imagina nos meios políticos.