Nonato Guedes
Depois do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros políticos populistas em visita ao Nordeste colocarem na cabeça uma espécie de objeto sagrado para o povo da região – o ‘”chapéu de couro” dos vaqueiros do sertão, foi a vez do ex-juiz Sergio Moro, presidenciável pelo Podemos, posar para fotografias com o adereço na viagem que fez ao Recife no fim de semana para lançar seu livro sobre a corrupção em evento bastante concorrido e que provocou protestos de eleitores petistas, que gritaram o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A historiadora e professora Edna Maria Matos Antônio, docente da Universidade Federal de Sergipe, que leciona na disciplina de História do Nordeste, em declarações à “Revista Forum”, criticou Moro e Bolsonaro, dizendo entender que o gesto deles se trata de um fingimento com contornos de apropriação cultural.
– Isso é uma apropriação cultural com fins politiqueiros bem evidentes. Olhando a trajetória desses candidatos e até mesmo a forma com que eles se comportam em relação à cultura nordestina e aos setores da sociedade brasileira, que têm heranças nordestinas, a gente percebe que não há qualquer familiaridade, qualquer rotina, qualquer vivência, nada! Não há qualquer experiência que ligue esses candidatos a qualquer coisa relacionada ao Nordeste. Parecem turistas estrangeiros quando chegam a um país e saem colocando adereços, cujo significado eles não entendem. É só para, de forma muito oportunista, criar, num fôlego só, de maneira muito rápida, de forma muito artificial, um vínculo que eles nunca tiveram e que nunca se interessaram em ter com a região Nordeste e sua cultura. É algo muito feio. É claramente uma estratégia. É começar a ser visto, ser pensado e ser lembrado pelos eleitores de uma região que, para eles, não significa nada, exceto o que representa pela quantidade de votos, até porque deve-se considerar o peso que o Nordeste tem, é um eleitorado importante – esclareceu a historiadora.
Na opinião dela, as atitudes desses presidenciáveis apenas denotam o que sempre ocorreu em relação ao Nordeste por parte dos poderosos. “Se você pergunta a esses candidatos o que eles pensam da região, vão sair os estereótipos, vai sobressair uma falta de projeto específico para a região e vai ficar aquilo com o que já nos acostumamos em tempos de eleição: uma simpatia forçada, uma tentativa de dizer que entende da região e que conhece os problemas. Só que nós sabemos perfeitamente que não é verdade. Como temos um número expressivo de votos, fica esse vale-tudo, que beira essa coisa forçada”, reclamou. Para quem acha que esse tipo de comportamento não é percebido pelos nordestinos, Edna explica que os eleitores locais, em sua maior parte, estão atentos. “A população nordestina é muito atenta isso. Ninguém é bobo. Ficar forçando uma simpatia e uma empatia com a região Nordeste, com a qual, na verdade, eles não têm qualquer relação de nenhuma natureza, não é o suficiente. Precisamos de gente que tenha noção do que é o Nordeste e que proponha soluções reais para cá, não soluções adaptadas do Sul e do Sudeste, como se o país fosse um só. Aliás, esse é o maior problema dos políticos do Sudeste – a visão homogeneizada do Brasil, propondo coisas como se esse Brasil fosse o mesmo”, acrescentou.
O ex-juiz Sergio Moro foi o mais criticado pela absoluta falta de identificação com o povo nordestino e desconhecimento da realidade da região, que é conhecida por ser castigada pelas secas cíclicas e por ter abrigado ao longo dos tempos legiões de “flagelados”, referência a trabalhadores colocados em frentes de serviço, em caráter de emergência, para ganhar algum dinheiro a fim de sobreviver, fazendo obras de infraestrutura. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já fez uso do chapéu de vaqueiro, é aceito com naturalidade no gesto por ser natural da região e ter uma trajetória parecida com a de “retirantes”, como são denominados os sobreviventes das secas que migram para o Sul do país em busca de melhores condições de trabalho. Mas o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que tenta ingressar no PSB para ser vice de Lula numa chapa com o PT, também recorreu ao adereço quando foi candidato a presidente da República e percorreu os sertões. A dados de hoje, o ex-presidente Lula lidera disparado pesquisas de intenção de voto em Estados do Nordeste. Moro chegou a ouvir, no Recife, gritos de “Moro satanás, quebrou a Petrobras”, entoados por militantes petistas.
Edna Maria Matos Antônio falou de outros traços da cultura nordestina que mantêm laços estreitos com a realidade local de vida daqueles populações que formam ancestrais núcleos de povoamento de um país de dimensões continentais. “A carne de sol, as buchadas, enfim, tudo isso traduz uma importante herança cultural muito forte dos ibéricos, mas denota também uma metamorfose cultural diante de uma realidade ambiental que foi um desafio para os primeiros colonizadores”, argumentou a historiadora. Lembrou, ainda, que outro assunto recorrente em período de eleições presidenciais é sobre um projeto de desenvolvimento para a região. “Com raras exceções, quase sempre o Nordeste fica esquecido pelo governo federal”, frisou. Ela abre uma exceção para governos petistas, sobretudo o de Lula da Silva, que investiu firme no projeto de transposição das águas do rio São Francisco, considerado pelo povo nordestino “a redenção da região”.
– Nós vemos claramente que a região Nordeste nunca foi pensada como uma pauta para o desenvolvimento econômico. Podemos citar a Sudene lá nos anos 50 e 60, dentro de uma visão desenvolvimentista do governo JK, ainda que tudo isso tenha sido resultado de ações e planejamentos de Celso Furtado, economista paraibano que foi diretor do BNDEs no governo JK e ministro do Planejamento na gestão de João Goulart, que entendeu a questão do desenvolvimento da região Nordeste como um aspecto importante para o desenvolvimento de todo o país, com uma visão mais ampla. O Brasil se acostumou a ver a seca como o grande problema do Nordeste, mas a seca é, na verdade, apenas um problema que deve ser resolvido. Não é algo como simplesmente se acabar com a seca e pronto. O que nós precisamos é de uma política que encontre projetos econômicos viáveis para que efetivamente se traga um desenvolvimento para a região – argumenta a docente da UFS. Ao lembrar os feitos dos governos petistas, a historiadora lamentou que o ciclo tenha sido curto e desfeito e pelas forças políticas que ascenderam ao poder com o impeachment de Dilma Rousseff.
Até o Jornal do Commercio, centenária e tradicional publicação conservadora do Recife (PE) se irritou com o ex-juiz Sergio Moro que jamais pronunciou qualquer coisa sobre o Nordeste e os nordestinos, mas que mal desembarcou no aeroporto dos Guararapes e já colocou o chapéu de couro na cabeça. Uma pesquisa do PoderData indicou que o ex-juiz da Lava Jato tem apenas 6% de intenções de voto na região Nordeste contra 43% das preferências atribuídas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os dois, na segunda posição, está o presidente Jair Bolsonaro, com 27% da preferência do eleitorado. Sergio Moro tem sido criticado pela mídia sulista como um juiz parcial, que teria determinado a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ganhar prestígio junto ao governo Bolsonaro, a que serviu como ministro da Justiça e Segurança Pública e do qual saiu atirando, alegando tentativa de interferência do presidente nas ações da Polícia Federal.