Nonato Guedes
Maior cabo eleitoral da região Nordeste, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se lançará novamente ao Planalto pelo PT nas eleições de 2022, está sendo chamado a resolver impasses que afetam a esquerda quanto à manutenção de alianças que tornaram o NE um reduto da oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Uma reportagem da revista “Veja” explica que sete dos nove governadores nordestinos estão impedidos de tentar a reeleição no próximo ano por já estarem no segundo mandato, que concluirão dentro do período eleitoral. Caso queiram disputar outros mandatos, os sete governadores de esquerda terão de renunciar até dois de abril, ou seja, têm pouco mais de três meses de mandato pela frente, e não estarão no comando das máquinas durante o processo eleitoral.
Dessa conjuntura escapa o governador da Paraíba, João Azevêdo, que é do bloco lulista. Ele se elegeu pela primeira vez em 2018 pelo PSB, está atualmente filiado ao Cidadania e é plenamente apto a concorrer à reeleição, inclusive ostentando sinais de favoritismo, dada a aprovação popular a atos da sua administração. Os problemas que Lula terá que equacionar na Paraíba dizem respeito à acomodação de palanques para sua própria campanha à presidência, já que são muitas as forças políticas interessadas em apoiá-lo mas que nem sempre convergem na realidade local. O ex-governador Ricardo Coutinho, por exemplo, que apoiou Azevêdo em 2018 e migrou do PSB para o PT, está rompido com o sucessor e deverá ter papel influente numa chapa de oposição, possivelmente como candidato ao Senado. Seu alinhamento com o ex-presidente Lula é mais forte do que a ligação de Azevêdo com o petista.
A reportagem de “Veja” mostra que logo no início de sua gestão o comportamento de Bolsonaro produziu um efeito incidental: a união dos governadores do Nordeste como forma de reagir de maneira coordenada ao que viam como má vontade do Palácio do Planalto com a região, onde o capitão foi derrotado em todos os nove Estados no primeiro e no segundo turno da eleição de 2018. O Consórcio Nordeste, criado em março de 2019, deu, assim, forma institucional ao principal reduto de oposição ao governo federal – e esse passo foi um desdobramento quase natural do processo pelo qual a região vinha passando desde a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003: a tomada dos governos estaduais por políticos de esquerda e centro-esquerda. Segundo o texto do repórter Leonardo Lellis, “eles transformaram a área em uma espécie de fortaleza vermelha na geopolítica nacional e, portanto, um foco óbvio de resistência ao presidente Bolsonaro”. Essa cidadela corre riscos para 2022.
Entre os sete governadores que não poderão disputar a reeleição, figuram alguns mais bem avaliados do país, como Rui Costa (PT), na Bahia, Flávio Dino (PSB), no Maranhão, Camilo Santana (PT), no Ceará, Renan Filho, do MDB, em Alagoas. Tentarão renovar o mandato apenas Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, e João Azevêdo, hoje no Cidadania. O sinal de alerta vermelho acendeu de vez diante da possibilidade do fim antecipado da atual temporada de poder, caso governadores renunciem em abril para concorrer a outros mandatos. Em boa parte dos casos, dadas as complexas alianças que os elegeram, eles deixarão os Estados nas mãos de gente que não é exatamente do mesmo espectro político. No Maranhão, Flávio Dino entregaria o cargo ao tucano Carlos Brandão, seu vice. Na Bahia, Rui Costa tem como sucessor João Leão, que é do PP, um dos alicerces do Centrão. Por fim, no Ceará, Camilo Santana será substituído pela vice Izolda Cella, do PDT, partido do presidenciável Ciro Gomes, que é rival do petismo em nível nacional.
Um outro problema é a sinuca de bico na qual se transformaram alianças locais em Estados da região Nordeste. Um bom exemplo é o Maranhão, onde Flávio Dino reelegeu-se em primeiro turno sustentado por uma frente de 16 partidos que ia do PCdoB, seu antigo berço, ao DEM. O problema agora é definir quem irá sucedê-lo, já que o grupo de apoio tem quatro pré-candidatos, nenhum do seu partido. Outra operação complexa ocorre no Ceará. O petista Camilo Santana deve encaminhar apoio a um candidato do PDT, seu antigo aliado – o favorito é o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio. Mas a solução desagrada a Lula e a uma ala do PT no Estado, que defende candidatura própria. Enquanto o PT não se entende, o ex-senador Eunício Oliveira conta com a simpatia de Lula a uma composição com o seu MDB para ser candidato. “Se o PT do Ceará entender que deve ter um palanque puro para Lula, eu me coloco à disposição”, afirmou.
O ex-presidente Lula, que já está sendo chamado entre aliados de “Super-Lula” terá papel preponderante na manutenção, ou não, do Nordeste, como zona vermelha. “Veja” informa que a simples presença do nome do ex-presidente ao lado de candidatos ao governo é capaz de turbinar as intenções de voto. Além das origens nordestinas, Lula é lembrado por políticas sociais implantadas em seu governo na região do semiárido. O Nordeste concentrou metade dos beneficiários do Bolsa Família, a principal vitrine petista nessa área. “A partir de 2002 ocorreu uma votação crescente no lulismo na região e isso permaneceu, inclusive, em seu pior momento, que foi o período da Lava-Jato”, afirma o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco. Segundo a última pesquisa Datafolha, Lula tem 61% das intenções de voto entre os nordestinos – e, certamente, não vai querer perder esse capital por causa de fogueiras de vaidades entre seus aliados políticos na região.