Nonato Guedes
Às vésperas do lançamento, pelo PSDB, da pré-candidatura do deputado federal Pedro Cunha Lima ao governo da Paraíba, a estrela do evento, estando presente ou ausente, é indiscutivelmente o ex-governador e ex-senador Cássio Cunha Lima, pai de Pedro. A razão é simples: Cássio é a grande referência na oposição estadual dentro da conjuntura vigente, dispondo ou não de mandato. Impõe-se pelo respeito que construiu na sua trajetória, pontuada por vitórias, turbulências e, segundo ele, injustiças que o marcaram profundamente mas que foram pedagógicas, incutindo-lhe aprendizado sobre os homens e os acontecimentos da política, essa atividade ao mesmo tempo sinuosa e sedutora e a respeito da qual sentenciou haver “vida fora”. Difícil dizer se é Cássio que não consegue deixar a política ou se é ela que não o deixa escapar do seu radar. Talvez as duas coisas se completem. De concreto, ele é um articulador respeitável nos bastidores da oposição paraibana.
Desde que concluiu o único mandato de senador, depois de não ter conseguido renová-lo na campanha de 2018, Cássio tentou passar o bastão a outros atores do seu esquema político, dentro do projeto de fazer a transição e atuar como observador ou espectador privilegiado dos fatos Não há registro de interferência sua em decisões oscilantes tomadas, sobretudo, no interior do bloco PSDB-PSD na Paraíba. Alinhou-se entre os apoiadores da pretensão do ex-prefeito Romero Rodrigues, de Campina Grande, em disputar o governo mas deixou as tratativas a critério dos que estavam na linha de frente, mais engajados no papel de tarefeiros para a construção da unidade oposicionista. Romero derrapou na pista e saiu da raia, jogando por terra um paciente trabalho de arquitetura que vinha sendo efetuado. Sobrou para Pedro, que já havia renunciado à postulação para não dificultar os passos em torno de Romero. Enquanto isso, Cássio assiste à movimentação de outras forças de oposição, com quem já não se afina, e acompanha os movimentos do governador João Azevêdo para buscar a reeleição em 2022 com novos parceiros.
A perspectiva de diálogo (e aproximação) entre Romero Rodrigues e o esquema do governador João Azevêdo desagrada a Cássio Cunha Lima. No último dia 16, em sua rede social, deixou de lado as amenidades para postar, em clima de #tbt uma foto emblemática reunindo seu pai, o poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima, o seu tio, ex-senador Ivandro Cunha Lima, e o Senhor-Diretas e Senhor-Constituição Ulysses Silveira Guimarães. Cássio grifou no #tbt: “Exemplos de ética, decência e espírito público. Lutaram contra a ditadura – democratas – nunca aderiram aos poderosos de plantão. Honestos e íntegros”. Os analistas políticos da crônica paraibana não tiveram dúvidas em anotar: “para bom entendedor, meia palavra basta”. Cássio, quando quer, ou quando está tomado pela porção combativa, impetuosa, tanto fala nas entrelinhas como fala diretamente. Ao definir Ulysses, Ronaldo e Ivandro como não-adesistas, pode ter feito menção subliminar a atuais e futuros adesistas de governos (este seria o caso de Romero, conforme as especulações). Teve autoridade para fazer o registro porque sua trajetória comporta alianças políticas claras, como a que fez em 2010 com Ricardo Coutinho, mas também rompimentos e enfrentamentos, como os que assumiu em 2014 contra o próprio Ricardo Coutinho.
Adesista, não, mas estrategista, sim – é o que se murmura nos bastidores a propósito do posicionamento do ex-governador Cássio Cunha Lima na política paraibana, com desdobramentos no cenário nacional, onde tem grandes amizades e admirações desde quando estreou, muito jovem, na Assembleia Nacional Constituinte desabafando, em plenário, desilusões com a realidade brasileira e com a classe política, já em “priscas eras”, se é que se pode datar assim o final da década de 80. Cássio foi decisivo para incentivar Ronaldo a tomar a peito o desafio de virar o jogo na eleição de 1990 contra Wilson Braga ao governo do Estado – o resultado é que o poeta passou para o segundo turno e saiu com a taça nas mãos. Também havia digitais de Cássio nas decisões independentes do “clã” em relação ao governo José Maranhão, em célebres episódios do final da década de 90 que culminaram com a saída de Ronaldo & companhia do “PMDB velho de guerra”.
Há, também, lances dramáticos de sucessões ou de disputas eleitorais acirradas em Campina Grande, envolvendo o próprio Cássio Cunha Lima, que logrou anexar à biografia três eleições a prefeito da Rainha da Borborema. Protagonizou reviravoltas, como quando se aliou ao Partido dos Trabalhadores numa das disputas em Campina, com o aval do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que abafou resistências de setores petistas locais mais inflamados que acusavam Cunha Lima de constituir oligarquia política conservadora, ignorando episódios como a cassação de Ronaldo Cunha Lima pelo regime militar e o golpe que impediu o poeta de exercer na plenitude o mandato de prefeito campinense que havia conquistado a duras penas e a céu aberto. Cássio passou por cima de miopias de protagonistas políticos da Paraíba, como se tivesse um olhar de lince que lhe permitisse ser ágil e eficiente nas decisões. Teve suas derrotas, não sem manifestar irresignação, mas tem evitado somatizá-las na aprendizagem que a autocrítica serena fornece.
Sendo candidato ou não, participando ativamente ou não dos movimentos políticos no Estado referentes às eleições de 2022, Cássio Cunha Lima é referência obrigatória nas equações ou nas análises, sobretudo, de adversários políticos. Ele já elegeu seu alvo: o governador João Azevêdo, contra quem nutre restrições e não se excusa, quando consultado, de opinar sobre os rumos que estão sendo tomados ou sobre descaminhos que enxerga na tática para reconquista do poder. Poderá vir a se constituir no ausente mais presente nas arrastadas demandas pré-eleitorais que tentam se firmar na Paraíba em meio a um vácuo de lideranças com vistas aos embates do próximo ano. Há qualidades em Cássio que não devem e não podem ser subestimadas pelos que estão na zona de conflito.