Nonato Guedes
2021 não deixa boas lembranças para o presidente Jair Bolsonaro (PL), embora 2022 possa ser ainda pior. Além da desastrada atuação no enfrentamento à pandemia de covid-19, o mandatário amargou a desconstrução da imagem que tentou vender a incautos na campanha eleitoral de 2018 – a de ‘mito’, quando, na verdade, era um político remanescente do baixo clero que de forma oportunista explorou incidentes da tumultuada conjuntura brasileira para ganhar vantagem. Ganhou a presidência da República escudado no rótulo de “outsider” da política e de suposto cruzado contra a corrupção e a moralidade. Completando três anos no cargo, revelou-se o que é: um despreparado para governar o Brasil e para conduzi-lo a bom termo na missão de superar desafios. Bolsonaro é um caso peculiar de líder político cuja imagem derreteu com uma velocidade impressionante, enquanto o seu grande opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deu a volta por cima de forma espetacular, saindo das grades da Polícia Federal, obtendo vitórias judiciais e liderando pesquisas consecutivas de intenção de voto para a disputa ao Planalto no próximo ano.
O desgaste de imagem do presidente Bolsonaro começou a ser forjado na contradição entre o falatório e as promessas do candidato e os atos que formataram o seu estilo de governar, marcado, além da incompetência, pela tensão permanente, pelo confronto com instituições da sociedade, como a imprensa, segmentos sociais, governadores e prefeitos eleitos pelo voto popular, além do ataque a ministros do Supremo Tribunal Federal e manobras para intimidar e descredibilizar os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral. Bolsonaro entrou para a História como o mais negacionista de todos os líderes mundiais, em plena convivência com uma calamidade que reinventou a sociedade como um todo, e também como o mais anti-democrata dos chefes de governo no país. Afinal, foi o mentor de atos públicos que falseando o pretexto das liberdades buscava feri-las de morte, o grande apologista do Ato Institucional Número Cinco, que instituiu o golpe dentro do golpe no regime militar e legou ao Brasil o rastro de uma longa noite de trevas.
No reverso da medalha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi enredado em processos judiciais controversos e ficou recolhido por 580 dias à Superintendência da Polícia Federal, tendo sido impedido de concorrer novamente à presidência da República em 2018, teceu pacientemente os fios da sua reabilitação em alto estilo, logrando alcançar anulações de condenações que lhe haviam sido imputadas em julgamentos que – descobriu-se depois – foram eivados de parcialidade. Com o passaporte da liberdade em mãos, Lula dedicou-se a buscar justiça dentro da Justiça – e passou a revezar triunfos inesperados com retoque da sua imagem, estando à frente em inúmeras pesquisas pré-eleitoreiras para a presidência da República, e em algumas figurando como favorito em potencial já no primeiro turno. Bolsonaristas recalcitrantes tentam reagir a essa reviravolta e deter a marcha da História, mas mesmo entre eles há fundadas suspeitas de que é irreversível o quadro de desgaste que ora se apresenta.
O candidato que jurava estar acima das transações políticas-partidárias fisiológicas acabou virando refém do “Centrão”, o agrupamento carreirista que sobrevive no Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados, à custa de práticas como o “toma lá, dá cá”, sem compromisso maior com o espírito público. Em termos de obras e benefícios para a população brasileira, enquanto isso, o governo Bolsonaro não registra grandes avanços. Seu grande feito, indiscutível, foi no avanço da campanha de vacinação contra o novo coronavírus, estágio a que se chegou graças à mobilização incessante da sociedade e depois de infindáveis atropelos e erros estratégicos provocados pela incúria do Poder Público mercê da postura negacionista que se atribuiu, tentando, o tempo inteiro, desqualificar a Ciência e desautorizar profissionais da Medicina. Fora daí, o governo Bolsonaro falhou redondamente nos acenos de geração de emprego e renda e apelou para paliativos, traduzidos em auxílios emergenciais, no esforço desesperado para impedir o pior, ou seja, o colapso total.
Uma pesquisa Datafolha divulgada na noite de ontem mostra que Lula é considerado o melhor presidente da história do país para 51% dos brasileiros. O levantamento revelou que o petista recuperou grande parte da popularidade após o processo conduzido pela Lava Jato e está 40 pontos à frente de Bolsonaro, considerado melhor presidente da história por apenas 11%. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Getúlio Vargas (PTB) foram citados por 4%, abaixo dos 11% que dizem não saber. Com 1% foram lembrados Juscelino Kubitscheck, José Sarney, João Baptista Figueiredo, Itamar Franco, Dilma Rousseff, Jânio Quadros e Tancredo Neves. O ápice da avaliação de Lula ocorrera em 2010, quando 70% dos brasileiros o consideravam o melhor presidente. O índice chegou a 35% em março de 2016, seu pior nível, o que foi atribuído ao que os partidários de Lula chamam de “orquestração midiática” montada para destruir sua liderança política e seus espaços na cena nacional. Segundo o estudo Datafolha, a melhor avaliação de Lula – 66% – é entre os nordestinos. Bolsonaro lidera a lista dos piores presidentes da história do Brasil.
Haverá tempo – e condições – para que o presidente Jair Bolsonaro, detento percentuais tão expressivos de impopularidade e desgaste, reverta o cenário e assuma a dianteira nas intenções de voto para presidente da República em 2022? Tempo, ainda que restrito, sempre há. O que não parece haver, para o capitão, é aquele somatório das condições objetivas que lhe possibilitem uma guinada em termos de imagem e de aceitação. Salvo melhor juízo ou, então, fator superveniente, que pode vir a entrar no cálculo político, Jair, que se apresentava como o “Messias” em 2018, parece condenado a cumprir um mandato apenas no Palácio do Planalto. A esse respeito, diga-se que já estará de bom tamanho porque o grande milagre conseguido por Bolsonaro foi ter escapado de mais de uma centena de pedidos de impeachment que deram entrada na Câmara dos Deputados. Essa proeza ele deve, seguramente, a deputados como Rodrigo Maia (RJ) e Arthur Lira (AL), que ignoraram as manifestações das ruas e se recusaram a, sequer, colocar em debate o processo de impeachment. Abstraindo essa página obscura da História, o final de 2021 é, no termômetro popular, uma grande prévia do que pode desaguar nas urnas em outubro de 2022, já no primeiro turno.