Nonato Guedes
Na véspera de viajar a Cajazeiras para passar o Natal com minha mãe, Josefa Guedes de Aquino, e familiares queridos, estive com o governador João Azevêdo (Cidadania) num dos restaurantes da Capital, para onde me dirigi com o executivo Manoel Raposo, editor da revista “Tribuna”. Cumprimentado pelo chefe do Executivo, retribuí a deferência e fui ter com ele na mesa em que almoçara, na companhia de secretários de Estado. Abordei, então, a “pergunta que não quer calar”, como pontuei na fala respeitosa que ousei formular, em alusão à ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Paraíba no roteiro de viagens que empreendeu este ano pelo Nordeste para contatos políticos com vistas à campanha eleitoral de 2022. Ele foi extremamente “diplomático” a respeito, lembrando que outros dois Estados nordestinos ficaram fora da agenda. Por fim, ante minha insistência misturada com ceticismo, encerrou a questão ponderando que “só o presidente Lula pode dar explicação concreta”.
A pergunta era assaz pertinente, como sublinhei, lembrando que estava em voga nos mais diferentes círculos sociais do Estado. Vamos aos fatos: o governador João Azevêdo foi um dos primeiros a declarar apoio à pretensão do ex-presidente da República e líder petista de voltar ao Palácio do Planalto pelo voto popular. Foi além: pediu autorização ao seu partido, o “Cidadania”, que acabou lançando pré-candidato próprio a presidente, para recomendar o nome de Lula publicamente na campanha na Paraíba, e obteve “permissão”. Houve mais: num encontro de governadores do “Consórcio Nordeste” em Natal, Rio Grande do Norte, a que Lula compareceu e foi abraçá-lo, o governante paraibano convidou-o, na vinda à Paraíba, a ir ao Palácio da Redenção, onde seria recebido com honras, para discutir problemas nacionais e de interesse da região. O líder petista, sensibilizado, comprometeu-se a “agendar” a visita a este Estado. E o fato é que o ano está fechando sem sinal da presença de Lula num território onde sempre foi bem votado e acolhido pela população.
Quem conhece a realidade política paraibana sabe as razões que levaram o ex-presidente a não cumprir agenda presencial no Estado. O interlocutor preferencial de Lula é o ex-governador Ricardo Coutinho, que já foi aliado de João Azevêdo, rompeu com ele, tentou desafiá-lo nas eleições municipais em João Pessoa em 2020 (saindo derrotado) e, numa manobra rocambolesca, migrou do PSB de volta para o PT, partido que abandonou lá atrás, no começo dos anos 2000 quando foi preterido na escolha para candidato à sucessão municipal da Capital. Ressalte-se, a bem da verdade, que como governador e mesmo estando no PSB, Ricardo foi solidário a Lula no ostracismo, visitando-o na prisão na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, da mesma forma como hipotecou apoio a Dilma Rousseff no processo de impeachment, trazendo-a para explicar ao povo paraibano o que era o “golpe” contra ela que, conforme a narrativa massificada pelo PT, estava em curso e que resultou no processo de impeachment sacramentado pelo Congresso Nacional.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sentiu-se devedor de atenções para com Ricardo Coutinho, e o primeiro gesto de gratidão que fez foi o de apoiá-lo quando o ex-governador foi envolvido em denúncias de escândalos de desvio de verbas públicas na Operação Calvário, deflagrada pelo Ministério Público através do seu braço operacional, o Gaeco. Lula chegou a manifestar confiança na inocência de Coutinho, indo na contramão de depoimentos de ex-secretários e ex-auxiliares do então governador, feitos em delações premiadas, sobre episódios comprometedores que explodiram com alta repercussão, uma espécie de nitroglicerina pura na conjuntura tupiniquim. Nos bastidores, é inevitável a associação de solidariedade corporativista entre Lula e Ricardo ou Ricardo e Lula, com diferenças naturais: o ex-presidente cumpriu pena de 580 dias na PF em Curitiba, Ricardo passou uma noite preso mas até hoje enfrenta denúncias consecutivas que estão inscritas nos anais da Operação Calvário, de tal sorte que a sua elegibilidade para 2022 é posta em xeque frequentemente nos meios políticos. Para Ricardo e aliados próximos, remanescentes dos girassóis políticos, são comoventes os gestos de Lula em momentos de adversidade, quer atingindo ele, quer atingindo figuras do seu círculo.
Para além de gestos pontuais que comovem ou sensibilizam, há uma realidade política-eleitoral que o ex-presidente Lula procura desbastar dentro do seu projeto maior – o de voltar ao Palácio do Planalto. Lula fez-se obstinado em “provar à sociedade” que é inocente e que foi preso injusta e perversamente no bojo da Operação Lava-Jato, capitaneada pelo hoje adversário político dele à presidência, o ex-juiz Sergio Moro. Na prática, logrou obter anulações de todas as condenações que lhe foram imputadas e que tolhiam, por assim dizer, a sua liberdade política, afetando condições de elegibilidade. Como corolário dessa cruzada, desmoralizou sentenças, anulou-as, recuperou direitos políticos e, na condição de pré-candidato, lidera com folga e persistência pesquisas de intenção de voto para a corrida presidencial, deixando os concorrentes perplexos, desesperados e até desanimados. Lula promove uma gigantesca articulação nacional, que chama de “concertação”, juntando gregos e troianos, uma verdadeira “arca de Noé” para reforçar a estratégia de volta ao poder. Nesse pacote estão incluídos governadores – inclusive o paraibano João Azevêdo, em cuja administração atuam representantes petistas no Estado.
A despeito da mobilização em curso, a Paraíba não conseguiu a proeza, ainda, de receber o ex-presidente da República para uma visita. E isto se dá porque, segundo fontes bem situadas em Brasília, avalia-se na cúpula nacional lulopetista que a Paraíba é “campo minado”, já que quase todos os agentes políticos anti-Bolsonaro querem apoiar Lula, e o ex-presidente não é nenhum mágico para conciliar interesses, palanques, e comprometer sua imagem no apoio a candidaturas. O senador Veneziano Vital, do MDB, é lulista, como o governador João Azevêdo, do Cidadania, o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo…E, claro, os girassóis de Ricardo Coutinho. Em tese, teria que partir daqui um consenso mínimo que assegurasse a vinda de Lula sem atropelos ou constrangimentos. Enquanto tal não se dá, o ex-presidente fala com a Paraíba por videoconferência, em eventos estritos, talhados sob medida para não desencaminhar os apoios que recebe. E quanto aos apoios de políticos, ele prefere recebê-los em Brasília, em São Paulo, em qualquer neutro. Menos, por enquanto, na pequenina Paraíba. Talvez tenha sido este o enredo que Azevêdo não teve tempo nem pachorra para repassar quando questionado na “pergunta que não quer calar”…