Nonato Guedes
O presidente estadual do Cidadania na Paraíba, Ronaldo Guerra, que também é secretário-chefe de Gabinete do governo estadual, tenta exorcizar uma iminente saída do governador João Azevêdo da legenda caso venha a prosperar a proposta de “federação” partidária que uniria esse partido ao PSDB, entre outras siglas. Ainda ontem, em entrevistas a emissoras de rádio, Guerra mencionou que são notórias as divergências entre o esquema liderado pelo governador João Azevêdo e os tucanos locais, espécie de adversários figadais da atual gestão. Aliás, a recíproca é verdadeira no PSDB paraibano, que já lançou pré-candidato próprio ao governo, na figura do deputado federal Pedro Cunha Lima, crítico implacável do gestor ex-socialista.
Guerra ainda tenta ponderar que, apesar de tudo, mesmo que prosperasse tal entendimento, o comando da tal federação na Paraíba deveria ficar com o partido que possui o governador do Estado, no caso, o próprio Cidadania. João Azevêdo é o único governador filiado ao Cidadania na atual conjuntura nacional e para ele migrou depois de divergências com o antecessor, Ricardo Coutinho, dentro das hostes do PSB (Ricardo, hoje, está alojado no PT, do qual já foi militante). O rompimento com Ricardo não levou o chefe do Executivo a se aproximar, como contraponto, dos Cunha Lima, até porque João Azevêdo continua operando no campo da esquerda, em alguns casos oscilando em direção ao centro. O problema é que as tratativas para unir nacionalmente PSDB e Cidadania estão sendo feitas nos grandes centros de decisão e, por enquanto, não levam em conta realidades locais, onde os interesses são mais radicalizados.
“A regra que eles têm em Brasília, em termos de federação, é que deverá sair da federação quem não quiser ficar com o partido que no Estado tem o governador. Essa é a regra de ouro, como eles chamam. No caso da Paraíba, com a federação sob controle do governador João Azevêdo, o grupo Cunha Lima é que teria que sair”, especulou Ronaldo Guerra. A verdade é que tudo está no terreno do exame de possibilidades e não, concretamente, no território das definições preliminares. Há tendências, há indicativos, há aproximações, que, dependendo de como repercutem ou são processadas, impactam dirigentes partidários nacionais. Mas esses indicativos, por não abrangerem o conjunto das situações nos Estados, acabam sendo empurrados para o terreno da subjetividade. O governador João Azevêdo, em declarações a este repórter, admitiu que será grande o desconforto se tiver que conviver com tucanos paraibanos. E chegou a proclamar que, avançando a ideia com o PSDB, sairá ele ou sairão outros desse metro quadrado da federação.
A inviabilidade de composições nos Estados poderá acabar afetando o que, em tese, parece ser uma boa ideia. A federação, afinal de contas, foi concebida como uma estratégia para que partidos se unissem com vistas a atuar de maneira uniforme em todo o país por, no mínimo, quatro anos. As siglas que compuserem tal federação deixariam de atuar como partidos com identidade própria e agiriam como expressões de um único partido. Originalmente, os movimentos nesse sentido foram deflagrados por partidos pequenos, ameaçados de sobrevivência no cenário nacional em virtude da exigência da chamada cláusula de desempenho. Essa cláusula é um mecanismo que restringe o funcionamento de agremiações que não alcançarem percentual mínimo de votos na disputa para a Câmara dos Deputados. O bloco político funcionaria durante a eleição e no exercício dos mandatos, embora as siglas, conforme cogitado preliminarmente, pudessem manter seus símbolos, programas e procedimentos internos.
A proposta ganhou força depois da decisão tomada pelo Congresso Nacional, que derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei permitindo a criação de federações partidárias. Partidos como o PCdoB comemoraram abertamente tal decisão congressual porque descortinaram aí a chance de sobrevivência no atual sistema político-partidário nacional, levando em conta a sua baixa representatividade no modelo vigente. O PCdoB conta com oito deputados federais e tem dificuldades em superar a chamada cláusula de desempenho – por isso, tem se tornado, ao longo dos anos, tradicional coligado do Partido dos Trabalhadores. O Cidadania, por sua vez, conta com sete deputados federais, e pelo menos junto ao seu presidente nacional, Roberto Freire, a ideia de federação teve receptividade. “Acho que vale a pena apostar nessa tese”, argumentou Freire, vislumbrando perspectiva de anabolização das bancadas parlamentares, em Brasília e nos Estados. Tal análise não levou em conta, porém, a projeção de impasse em eleições majoritárias, a exemplo do caso que afeta a Paraíba.
Nota-se que há um empenho de líderes políticos de diferentes partidos em qualificar melhor o sistema partidário brasileiro que é eivado de falhas e de vícios aparentemente incontornáveis, apesar de alguns avanços pontuais. Há uma crítica generalizada, por parte da sociedade, quanto ao número excessivo de legendas em atuação no território nacional. A reação se estende, também, aos valores que são destinados, conforme aprovação do Congresso, ao Fundo Partidário. As incongruências chegam ao ponto de se ter no Brasil um Partido da Mulher que de forma alternada é comandado por homens. Já houve episódios de candidaturas laranjas que pegaram mal e resultaram até em cassação de mandatos parlamentares. Ou seja, há uma barafunda constante rondando o sistema político-institucional – e o problema é que, como sempre, as supostas soluções chegam de improviso ou de afogadilho. Para falar a verdade, uma federação que busca unir adversários radicais está mais para aberração do que para contribuição democrática. Daí as reações que pipocam, como as que vão se tornando flagrantes na realidade paraibana, como microcosmo da realidade nacional.
Artigo perfeito. Parabéns ao articulista.