Nonato Guedes
Nos bastidores políticos da pré-campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República nas eleições de outubro e no entorno da cúpula do Partido dos Trabalhadores ensaia-se uma discreta e habilidosa orquestração para neutralizar a presença da ex-presidente Dilma Rousseff na mobilização nacional que será empreendida dentro do projeto de retorno de Lula ao poder, ascendendo, pela terceira vez, ao Palácio do Planalto. Trata-se de uma espécie de “apagão político” de Dilma, aparentemente com a concordância dela, para evitar que sua imagem atrapalhe as articulações que estão sendo conduzidas diretamente por Lula e emissários de confiança a fim de criar uma base ampla de sustentação da sua candidatura, em condições de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL) já no primeiro turno do pleito vindouro.
A estratégia de Lula para sacramentar apoios à sua nova candidatura, como se sabe, tem envolvido conversas com parlamentares e políticos de expressão, distribuídos em diferentes partidos, alguns dos quais chegaram a votar pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Embora, para todos os efeitos, o PT continue sustentando a teoria do “golpe político” contra Dilma e refutando a alegação de que ela teria sido afastada por dar causa a tanto, devido a supostas pedaladas fiscais cometidas à frente do governo, Lula tem sido extremamente pragmático nas articulações para voltar ao Palácio do Planalto, admitindo diálogo com políticos de partidos como o MDB que claramente apoiaram o impeachment de Dilma. O argumento que Lula invoca, agora, é a necessidade de derrotar Jair Bolsonaro e as práticas fascistas que ele tem incentivado, e é essa tese, a da “frente democrática” que tem servido de pretexto para declarações de apoio à candidatura do líder petista nos Estados.
Uma reportagem do site “Congresso em Foco” revelou que a ex-presidente Dilma Rousseff não foi convidada, por exemplo, para o evento do grupo Prerrogativas, no restaurante Figueira Rubayat, em São Paulo, no final do ano passado, que marcou o primeiro encontro público entre Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, então filiado ao PSDB. Lula e Alckmin ensaiam a formação de uma chapa para disputar a eleição em outubro deste ano e o Prerrogativas é um grupo de advogados de verniz progressista, capitaneado, entre outros, por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O coordenador do encontro, Marco Aurélio de Carvalho, negou que não tenha chamado a ex-presidente. Mas interlocutores de Dilma afirmam que, de fato, ela não foi convidada. Ela mesma admitiu a esses interlocutores que, a esta altura, ter sido ou não convidada é o que menos importa.
Se tivesse sido convidada, provavelmente Dilma não iria da mesma forma para o encontro. Ela deixou escapar que ali seria “a lembrança viva do golpe”, uma espécie de presença constrangedora para alguns dos presentes, casos do próprio Geraldo Alckmin ou da ex-prefeita de São Paulo e ex-petista Marta Suplicy, bem como diversos dirigentes de partidos como o PSD e o MDB. Dilma não iria estar presente ali para, como diz, “forçar a barra”. A verdade é que o ex-presidente Lula pisa em ovos dentro do PT e no cenário político geral para tentar enquadrar Dilma no seu projeto político. Não quer passar a ideia de falta de solidariedade para com ela, mas, ao mesmo tempo, não pode prescindir de apoios que possam reforçar a sua posição, que já é de favoritismo em pesquisas de intenção de voto de vários institutos sobre a corrida presidencial de 2022. Lula tem dialogado com emedebistas que apoiaram o impeachment, mas a “frente democrática” que ele cogita não é tão ampla quanto se imagina. Ela não envolve setores reconhecidamente identificados com a direita ou com métodos bolsonaristas.
É um equilibrismo que Lula tem perseguido com muito tato e muita tática e que o leva a aceitar na Paraíba apoios de figuras distintas como o ex-governador Ricardo Coutinho, o governador João Azevêdo, o senador Veneziano Vital do Rêgo e o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo. No que diz respeito a Dilma, chamou a atenção uma crítica do vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, afirmando que ela não tem mais papel eleitoral para o partido. A crítica inicial foi feita para o jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles, no final de dezembro e reiterada à “Revista Fórum”. A fala gerou polêmica dentro do partido. A Secretaria Nacional de Mulheres publicou nota defendendo a ex-presidente, inclusive reforçando “o papel e a relevância” de Dilma dentro e fora do partido. Nas redes sociais, Quaquá recebeu críticas e acusações de misoginia e machismo. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi ao Twitter afirmar que a ex-mandatária é importante e orgulha o partido.
Seja como for, não há maior expectativa nos bastidores políticos quanto a uma participação efetiva de Dilma Rousseff na campanha eleitoral para assegurar o retorno de Lula ao Palácio do Planalto. Nesse ponto, a estratégia de “distanciamento” da ex-presidente será conduzida com habilidade pelo próprio Lula, com a massificação do mantra de que concessões serão indispensáveis para que o PT retome o projeto de poder que foi interrompido no segundo mandato que Dilma Rousseff estava empalmando. Depois que foi apeada do cargo, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais e foi derrotada, obtendo 15% dos votos. E há um grande interesse no acompanhamento das posições que ela venha a ter, bem como quanto ao comportamento do PT e do líder maior em relação à “companheira” Dilma Rousseff.