Nonato Guedes
Antes mesmo de completar os primeiros quatro anos de governo, o paraibano João Azevêdo tem enfrentado uma diáspora partidária que não estava nas suas cogitações e que desvia sua atenção e energias, obrigando-o a uma posição de desconforto e instabilidade na cena política local. Ele está a caminho de ingressar num terceiro partido, depois que se sentiu despejado do PSB por manobras comandadas pelo ex-aliado e ex-governador Ricardo Coutinho. Desta feita, João corre o risco de ter que deixar o Cidadania diante de uma articulação nacional comandada pelo presidente do partido, o político pernambucano Roberto Freire, a pretexto de formação de federação da sigla com o PSDB do deputado federal Pedro Cunha Lima, com quem o governador não tem qualquer afinidade e que, em termos concretos, poderá ser seu concorrente nas eleições de outubro ao Palácio da Redenção. É uma situação que reproduz uma espécie de pesadelo para o chefe do Executivo, como se ele estivesse condenado a ser perseguido por cúpulas partidárias.
Quando deixou o PSB no início de dezembro de 2019, primeiro ano de sua gestão, Azevêdo desabafou em carta à imprensa que estava saindo da agremiação socialista “em busca da democracia perdida”. Por essa época, o ex-governador Ricardo Coutinho, que foi cabo eleitoral de João em 2018, contribuindo para sua vitória em primeiro turno, dissolveu abruptamente a direção estadual do PSB, nas mãos de Edivaldo Rosas, que passou a se reportar à liderança do novo governador. A orquestração de Ricardo possibilitou uma espécie de intervenção nas hostes socialistas locais, e a cúpula nacional, através do presidente Carlos Siqueira (PE), fez cara de paisagem diante da condução antidemocrática do caso, com isto reforçando o domínio absoluto de Ricardo sobre a seção estadual. Hoje, por ironia da História, Ricardo deixou o PSB e voltou ao seu primeiro partido, o PT, enquanto o PSB de Carlos Siqueira, que é presidido localmente pelo deputado federal Gervásio Maia, admite receber de volta o governador do Estado.
Na carta à imprensa em que oficializou o desligamento do PSB, João Azevêdo lamentou a falta de autocrítica por parte de dirigentes nacionais socialistas sobre o processo de intervenção que foi claramente desencadeado na Paraíba. Chegou a considerar o ato como um golpe, uma medida de força injustificável, uma vez que não havia dado causa a que tal se processasse. Na verdade, por trás da orquestração de Ricardo, havia interesses pessoais contrariados, em decorrência do interesse do ex-governador de continuar “mandando” no governo e da resistência de Azevêdo em protagonizar o papel de “fantoche” que lhe estava reservado. A crônica política local não deixou de registrar o autoritarismo de Ricardo, combinado com seu conhecido personalismo. Esses dois fatores o induziram a acreditar que havia “emprestado” o governo a João, o que implicava em não reconhecer a legitimidade da nova liderança política que ocupava espaços no cenário estadual, até por gravidade. O PSB nacional cometeu um tremendo erro de cálculo ao apostar em Ricardo, porque logo estouraram denúncias da Operação Calvário, inquinando-o em processos recheados de acusações sobre desvios de verbas públicas da Saúde e Educação.
Na despedida do PSB, João Azevêdo pontuou, conforme os registros históricos: “Irei mudar de partido porque o meu atual desconfigurou-se por completo na Paraíba. Os princípios e o conjunto de ideias em que acredito caminharão sempre comigo. Vou procurar uma legenda que se afine com nossa visão de mundo e de Brasil, que não seja sectária, dona da verdade, que não exerça patrulha ideológica e refute alianças programáticas. Também que não flerte com o extremismo, com o fanatismo político, seja de direita ou de esquerda, nem tampouco pratique a idolatria personalista”. Surgiram vários convites e propostas distintas para filiação de Azevêdo em partidos que integravam um arco ideológico plural, passando pela esquerda, pelo centro e pela direita. Após análises com o grupo político que começou a formar, Azevêdo optou pelo Cidadania, sucedâneo do PPS. Pessoalmente, o governador procurou se manter no campo de centro-esquerda, embora recebendo apoio de políticos de direita ou de centro-direita. Para as eleições deste ano, chegou a sinalizar apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e conseguiu autorização da direção nacional do Cidadania para assim se posicionar, não obstante o Cidadania tivesse uma candidatura própria, a do senador Alessandro Vieira (SE).
De repente, João Azevêdo se vê atropelado por um fato nacional – a perspectiva de formação de federação entre o Cidadania e o PSDB, partido que na Paraíba lhe faz oposição acirrada. Havia, entre correligionários do governador, a esperança de que funcionasse uma regra de ouro pela qual nos Estados onde houvesse governador o comando do novo partido seria do governador. Mas essa regra foi quebrada – e já não há mais segurança, para Azevêdo, de que ele tenha o controle da legenda se, porventura, o grupo Cunha Lima migrasse para a nova “federação”. Ao mesmo tempo, no plano nacional, ao invés de apoio a Lula, o partido fecharia com a pré-candidatura do governador de São Paulo, João Doria, que venceu as prévias internas do PSDB. Tudo, naturalmente, dificulta a situação do gestor paraibano, sem falar que não está sendo levado em conta que ele é favorito em pesquisas antecipadas para a disputa ao governo agora em 2022.
O senador Alessandro Vieira, sacrificado na hipótese de vingar a federação, disse que não houve debate interno sobre a criação de uma federação. “Não tenho rejeição particular à ideia, mas entendo que devam ser estabelecidos critérios, inclusive nos Estados que tenham mais de um candidato. Não há motivo para se aceitar imposição”, avaliou. O diagnóstico do parlamentar, infelizmente para Azevêdo, dificilmente sensibilizará a cúpula nacional do Cidadania. Por isso é que aliados do governador paraibano já o aconselham a examinar nova opção partidária, sob pena de ficar exposto ao sereno e à inelegibilidade se não resolver com urgência essa definição. Desta feita, há alertas para que Azevêdo redobre a vigilância quanto a opções que venha a tomar, diante da impressão de que há inimigos contra ele espalhados onde o governador menos imaginava – isto é, dentro do próprio Cidadania. O tratamento que lhe é dado não é condizente com a condição de único governador da legenda no contexto dos Estados e Distrito Federal. E a diáspora partidária não combina com o estilo antimidiático do chefe do Executivo da Paraíba.