Nonato Guedes
Uma reportagem da revista “Veja”, assinada por Daniel Pereira, descreve a campanha eleitoral para a presidência da República este ano como uma das mais tensas e disputadas desde a redemocratização do país. Vai ser a escolha do trigésimo oitavo mandatário e o páreo, a dados de hoje, mantém-se polarizado entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que está no seu primeiro mandato. A economia deve ser decisiva para o resultado final e a polarização acentuada prenuncia uma disputa à base de agressões e ódios, num sinal de que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer em seu processo civilizatório – informa “Veja”.
Em 2022 serão completados 37 anos da chamada Nova República – e também de estabilidade democrática. É pouco tempo se comparado com a história de outras nações desenvolvidas como os Estados Unidos, mas uma marca importante se for levado em consideração o fato de que, entre a ditadura do Estado Novo (1937 a 1946) e a ditadura militar (1964 a 1985) houve só um breve hiato democrático, com a eleição direta de quatro presidentes. O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas, analisa: “A democracia brasileira resistiu, desde 1985, a diversos processos de impeachment presidencial e escândalos de corrupção. Em nenhum momento, nestes trinta e tantos anos, houve uma séria ameaça de intervenção militar ou outro tipo de golpe de Estado. Este é um sinal muito bom. As eleições sempre se mantiveram, com ordem, sem violência”, conceitua.
O raciocínio é o de que as instituições estão sob tensão e sendo testadas, mas não estão em colapso. Foram inúmeras as provas de fogo superadas no atual período de amadurecimento democrático brasileiro. O primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PROS), caiu na esteira de um processo de impeachment. A primeira presidente eleita, Dilma Rousseff (PT) também. Apesar da turbulência política nesses dois episódios, não houve tanques nas ruas, suspensão de eleições ou convulsão social. “Ambas as quedas foram debitadas naquilo que a sabedoria popular define como dores do crescimento”, pontua a reportagem. Entre as duas destituições, o Congresso aprovou em 1997 a emenda da reeleição, que permite ao presidente, governadores e prefeitos disputarem um segundo mandato consecutivo. O projeto foi gestado para favorecer o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que despachou no Palácio do Planalto entre 1995 e 2002.
FHC não conseguiu fazer o sucessor, e Lula assumiu o poder em 2003. Foi uma transição pacífica, embora PSDB e PT tenham disputado cabeça a cabeça a política nacional durante mais de duas décadas. Emabalados pelo sucesso do Plano Real, os tucanos queriam governar o país por vinte anos, mas esse projeto não foi levado adiante. O enfrentamento, agora, se dá entre Lula e Bolsonaro, favoritos para chegar ao segundo turno. Ambos têm ampla vantagem sobre os demais concorrentes, que lutam para colocar de pé uma candidatura competitiva da chamada terceira via. Em tese há espaço para que isso ocorra, já que uma fatia considerável dos eleitores não quer a vitória nem de Lula nem de Bolsonaro. Na prática, nenhum dos nomes testados pelo centro conseguiu deslanchar até agora. São os casos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e do ex-juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro, do Podemos. Políticos e especialistas dizem que, entre os dois favoritos, quem corre o risco de ficar de fora do segundo turno é Bolsonaro.
O atual presidente da República é recordista de rejeição, que está na casa dos 60%. A “Veja” diz que o porcentual parece “proibitivo”, capaz de inviabilizar a conquista de um novo mandato, mas não é, já que alguns de seus possíveis adversários, como Sergio Moro, lidam com números parecidos. Bolsonaro tem se desgastado por pregar ideias estapafúrdias como a rejeição à vacina contra a covid-19 e o ataque às instituições, o que atrapalha a cena política e econômica. A rejeição a Lula é bem menor e situa-se em torno de 40% mas o petista tem sido poupado até aqui. A tendência é que a artilharia se volte contra ele com a aproximação da votação, o que pode impulsionar a sua rejeição. Uma das fragilidades de Lula está no campo das denúncias de corrupção, tema que ainda está no topo das prioridades de cerca de 10% do eleitorado, mas não deve ter na próxima campanha o mesmo peso que teve em 2018. Ultimamente, a economia assumiu a dianteira entre as preocupações da população.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que lançou pré-candidatura ao Planalto, reclama: “Vivemos hoje um clima de radicalismo, de extremismo, de uma cultura de ódio que está acabando com o Brasil e que precisamos conter”. O governador João Doria assim se refere aos favoritos Lula e Bolsonaro: “São dois populistas. Em um país sem uma liderança consciente, respeitável, os populistas se ressaltam”. A avaliação parece correta, mas insuficiente para alterar radicalmente o cenário das tendências para a eleição deste ano. Políticos e eleitores que não estão diretamente envolvidos com a cultura do ódio ou da exacerbação de ânimos torcem, pelo menos, para que a democracia seja preservada e mais do que isso fortalecida, a partir do acatamento ao resultado das eleições, desvanecendo-se o fantasma negacionista que paira sobre o quadro institucional brasileiro.