Nonato Guedes
Política se traduz em gestos – e foi emblemático, ontem, o gesto da secretária Ana Cláudia, esposa do senador Veneziano Vital do Rêgo, presidente estadual do MDB, de pedir exoneração do cargo de secretária de Desenvolvimento e Articulação Municipal do governo João Azevêdo. Para os analistas políticos, foi uma sinalização importante para que o parlamentar venha a assumir uma candidatura ao governo do Estado, que é estimulada pela própria direção nacional do MDB, através do seu presidente, Baleia Rossi, a pretexto de fortalecimento dos quadros partidários nos Estados. Veneziano não assumiu foros de rompimento com Azevêdo que, ao que se sabe, caiu em campo para fazer gestões no sentido de manter o grupo do senador na sua base. Mas o primeiro passo parece ter sido dado, irreversivelmente.
A devolução do cargo pela ex-secretária, filiada ao Podemos, chegou a ser cogitada, também, nos meios políticos, como indicativo de uma provável candidatura sua a deputada federal, o que já estava no radar. Desse ponto de vista, teria havido uma antecipação da desincompatibilização prevista em lei para executivos-candidatos a cargos eletivos. No final das contas, o “desembarque” de Ana Cláudia do governo deixa Veneziano à vontade para conduzir articulações políticas com liberdade com vistas à montagem do xadrez eleitoral para 2022. Nesse contexto, a sua própria candidatura a governador não deve ser ignorada, pois já havia movimentos nesse sentido nas hostes emedebistas, pouco importa a esta altura se eram movimentos espontâneos ou estimulados. O enredo da saída de Ana Cláudia, aliás, seguiu mais ou menos o roteiro que sacramentou a exoneração de Gustavo Feliciano da secretaria de Turismo e Desenvolvimento Econômico do Estado.
Filho da vice-governadora Lígia Feliciano e do deputado federal Damião Feliciano, presidente estadual do PDT, o ex-secretário anunciou que estava se afastando para concorrer a um mandato na Assembleia Legislativa e agradeceu o apoio recebido da parte de Azevêdo no período em que atuou na administração. Na sequência, sua mãe admitiu a pré-candidatura ao governo, respaldada pela manifestação de apoio do presidente nacional do PDT, Carlos Luppi. Ainda ontem, em entrevista a veículos de comunicação como rádio e TV, Lígia despistou ao ser indagada sobre rompimento com João Azevêdo. Da mesma forma, Ana Cláudia Vital do Rêgo foi à Granja Santana, entregou o cargo e agradeceu a confiança. Aproveitou, é claro, para fazer um balanço das ações empreendidas à frente da Pasta. Ela tem convite explícito do marido, Veneziano Vital, para ingressar no MDB e viabilizar uma pré-candidatura a deputada, desfecho que agora tende a se acelerar.
As duas “baixas” ocorridas no governo em período pré-eleitoral, antes mesmo da vigência do prazo para desincompatibilização de auxiliares-candidatos, pareceram, aos mais antenados, uma “concertação” calculada para isolar politicamente o governador João Azevêdo, candidato declarado à reeleição – teoricamente pelo Cidadania, onde também sofre pressão diante da ameaça de incorporação desse partido pelo PSDB do deputado federal Pedro Cunha Lima, pré-candidato ao governo, ou de federação entre as duas siglas. São movimentos que causam apreensão natural junto ao entorno político de Azevêdo, com a debandada pressupondo uma orquestração para enfraquecer a posição de João, até agora favorito em pesquisas. Coincidência ou não, Veneziano e Lígia têm afinidades com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto. Lígia, inclusive, tem sido ostensivamente “lulista” nas declarações, mais inflamada no apoio ao candidato do PT do que ao candidato do PDT, Ciro Gomes, que está em queda livre nas pesquisas de opinião pública.
A candidatura própria do MDB ao governo da Paraíba ainda divide a legenda em nível local. O grupo do ex-governador Roberto Paulino, secretário de Governo estadual, mantém apoio a João Azevêdo, invocando princípios de coerência e lealdade, desde 2020, quando o governador apoiou a candidatura dele (derrotada) a prefeito de Guarabira, e prestigiou seu filho, Raniery, na liderança situacionista na Assembleia Legislativa. Já o vereador Mikika Leitão, presidente do diretório municipal em João Pessoa, tem sido ardoroso defensor da candidatura própria de Veneziano e foi quem abraçou essa bandeira, criando constrangimento para os aliados do governador João Azevêdo. Ressalte-se, ainda, que apesar de o governador ter manifestado apoio à pré-candidatura de Lula, na contramão da cúpula nacional do Cidadania, mais inclinada a apoiar João Doria (PSDB), Lula evitou vir à Paraíba para encontro com o governador e ainda prestigiou um adversário dele, o ex Ricardo Coutinho, refiliando-o em alto estilo ao PT.
A impressão que vai se cristalizando é que o “cerco” para isolar politicamente o governador João Azevêdo e destroná-lo da condição de favorito nas eleições de outubro está aumentando, com movimentos que se originam dentro da própria base até então uníssona em torno do comando do chefe do Executivo. Fontes políticas isentas já vinham, nos últimos dias, advertindo Azevêdo para “tomar cuidado” com eventuais armadilhas que poderão não só desfalcar o seu esquema de apoios como desestabilizar suas próprias chances no páreo à reeleição. Quando se esperava que João ingressasse em 2022 colecionando grandes adesões e vitórias estratégicas, eis que fatos reversos se sucedem, sugerindo conspiração bem articulada, com a participação de protagonistas influentes, para tentar reduzir a pó suas pretensões de recondução ao Palácio da Redenção. Os novos capítulos são aguardados com interesse, mas o “script” parece, a esta altura, previsível demais até para quem não é afeito ao jogo bruto da política e da luta pelo poder.