Nonato Guedes
A mídia influente do Sul do País começa a chamar a atenção para uma peculiaridade que pode marcar as eleições presidenciais de outubro de 2022: a formação de chapas por políticos que já haviam tentado a Presidência da República antes. Seria o caso, por exemplo, da chapa encabeçada pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva tendo como vice o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (sem partido, ex-PSDB). Ambos se enfrentaram na eleição de 2006 e Lula derrotou Alckmin, conquistando a sua segunda vitória ao Palácio do Planalto. Em paralelo, a equipe do candidato Ciro Gomes (PDT), que pretende disputar a presidência pela quarta vez, tenta atrair Marina Silva (Rede) para uma composição de chapa.
Uma reportagem do UOL aponta que desde a redemocratização após a ditadura militar, chapas formadas por ex-presidenciáveis eclodiram em apenas três vezes. Duas foram na eleição de 1998: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto com Leonel Brizola (PDT) e Ciro Gomes, então no PPS, hoje Cidadania, com Roberto Freire (PPS). Em 2018, Marina Silva (Rede) e Eduardo Jorge (PV) também formaram uma parceria de ex-presidenciáveis. A interlocutores, Geraldo Alckmin disse recentemente que agora tem 100% de chances de ser vice do petista Luiz Inácio Lula da Silva. A conjuntura brasileira, segundo a reportagem, explica por que ex-presidenciáveis estão se juntando. Uma das razões em comum é que todos eles são críticos do governo de Jair Bolsonaro (PL), que deverá tentar a reeleição.
Flávia Babireski, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, analisa: “Nosso contexto político atual é que está levando a essa articulação. Porque, até então, ela não era necessária. Cada um por si, cada um com seu partido, cada um com seu recurso. Bolsonaro, antipetismo, questão econômica, pandemia, estão fazendo com que essas figuras sentem e conversem”. O presidente Jair Bolsonaro, curiosamente, está fornecendo o pretexto para que tais figuras se unam numa disputa, já que a alegação mais frequente é a da necessidade de combate ao seu governo e, ao mesmo tempo, de preservação da democracia no país, que ficou sob ataque depois de investidas infelizes do presidente da República contra poderes constituídos como o Supremo Tribunal Federal. O próprio Lula tem mudado substancialmente seu perfil político-ideológico, justamente para facilitar a tática de aproximação com setores que antes eram refratários a ele e ao PT.
O cientista político Lucas Câmara também ressalta que é a primeira vez que um presidente em pleno mandato “parece tão frágil”. Bolsonaro foi o primeiro a não liderar as pesquisas no marco de um ano para a disputa da reeleição – seus índices de rejeição chegam a ser assustadores em certas fases do governo que conduz, devido a posturas negacionistas em relação à pandemia de covid-19 e a desacertos de política econômica e social que seu governo implementa. Integrante de uma chapa de ex-presidenciáveis em 2018, Eduardo Jorge, que foi cabeça de chapa em 2014, avalia que a união entre Lula e Alckmin é uma questão tática eleitoral. “Lula mudou sua posição messiânica e a postura de considerar os adversários como inimigos. Alckmin entraria como uma tática eleitoral do Lula. Com Alckmin, Lula vai tentar fazer voto útil já no primeiro turno”. Por isso, ex-presidenciáveis surgem como opção para auxiliar na disputa. “São figuras com capital político mas que não têm mais muita viabilidade como cabeça de chapa”, diz Câmara.
Outro ponto é que Alckmin pode ser uma figura para minimizar o antipetismo, ainda forte em setores da sociedade. Diz Babireski: “A gente ainda tem uma rejeição ao PT muito forte, o que faz que, na hora, o antipetismo leve as pessoas a votarem no Bolsonaro”, completa. No caso de Lula, Geraldo Alckmin, recém-saído do PSDB, ainda pode ajudar na articulação política “por ser um nome mais moderado, mais para o centro, que conhece o jogo político”, na avaliação de Babireski, que ressalta a mensagem que a presença de duas figuras, até então opostas, sentadas em uma mesma mesa, provoca. “Isso que a política é. Ela não é feita de extremos, é feita de conversa”. Câmara avalia que no cenário atual Alckmin parece ter um apelo que é para o mercado e para o sistema político. Também entrada em setores conservadores, principalmente em São Paulo, onde há resistências a Lula e ao PT.
Os cientistas políticos concluem que o ex-presidenciável Geraldo Alckmin significa outra coisa: um avalista para garantir a governabilidade e a tranquilidade dos mercados. A esse respeito, Lula tem sido enfático nas suas mensagens, externadas em entrevistas ou em conversas políticas, quando empenha sua palavra no sentido de respeitar certos compromissos ou até mesmo temas que são dogmas para o mercado financeiro. Dessa estratégia ele se valeu, por exemplo, quando recorreu à candidatura do empresário José Alencar para seu vice nos dois mandatos que empalmou na presidência da República, a partir de 2002 e de 2006. Além do mais, Alencar tinha a confiança pessoal de Lula – e, apesar das suas queixas contra os juros altos nunca chegou ao ferimento grave com o ex-presidente. Eduardo Jorge diz que o problema com Alckmin pode vir depois da eleição, se a chapa vencer a disputa, dada a tendência hegemonista do PT. Mas Lula tem sinalizado que, definitivamente, os tempos serão outros.