Nonato Guedes
É flagrantemente visível o empenho do ex-governador Ricardo Coutinho (ex-PSB, hoje PT) para manobrar na seara jurídica com vistas a se blindar politicamente e assegurar a sua candidatura ao Senado, pretensão que passou a alimentar como parte da estratégia de reabilitação moral e de retorno aos quadros de poder na Paraíba. Apesar de ter uma situação complicada, enfrentando a acusação de chefiar uma organização criminosa contra o erário, como consta de depoimentos da Operação Calvário, Ricardo confia em que o remanejamento de denúncias para a esfera da Justiça Eleitoral ou, em alguns casos, da Justiça Comum, favorece os seus planos de procrastinar condenações que inviabilizem definitivamente a retomada da carreira política.
Ele estaria liberado, então, dentro dessa linha de raciocínio, para formalizar registro de candidatura e participar ativamente do processo eleitoral, adquirindo chances de viabilidade nas urnas tanto porque atuará, reconhecidamente, como representante do segmento de esquerda, como porque terá a oportunidade de fazer “dobradinha” com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é seu grande líder a nível nacional e que lhe deve gratidão dada a solidariedade que Ricardo manifestou quando o ex-mandatário cumpriu pena na Polícia Federal em Curitiba. A tendência que se verifica, em escala nacional, a afrouxar a punição contra agentes e líderes políticos é outro fator motivacional para o ex-governador Ricardo Coutinho. O coordenador do Gaeco no Estado, promotor Octávio Paulo Neto, chegou a comentar com jornalistas que “uma releitura perigosa” da legislação tem blindado a classe política, tornando raras as condenações nesse terreno.
Evidente que são bem distintos os casos que envolveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador Ricardo Coutinho. O ex-mandatário ganhou a liberdade após permanecer 580 dias em sala da PF graças a uma dessas releituras jurídicas em âmbito do Supremo Tribunal Federal. Logrou alcançar a anulação das condenações mais graves que lhe haviam sido impostas e que deram causa ao mandado de prisão expedido pelo ex-juiz Sergio Moro e, com esse passaporte, reconquistou a liberdade e recuperou os direitos políticos que estavam suspensos. A conjuntura de agora mostra o ex-presidente e líder petista como franco favorito na disputa presidencial de outubro de 2022, com ampla vantagem sobre o adversário principal, ainda o presidente Jair Bolsonaro (PL) e contra um adversário emergente na política, o ex-juiz Sergio Moro, que tenta se consolidar como candidato pelo Podemos. Em algumas das pesquisas realizadas, Lula da Silva figura em cenários privilegiados como vitorioso já no primeiro turno, um feito inédito na sua trajetória, tendo em vista que as duas vitórias alcançadas à Presidência da República, em 2002 e 2006, foram decididas em segundo turno, dando combate a nomes do PSDB.
A reviravolta favoreceu os passos do ex-presidente Lula da Silva na cena política brasileira, tornando-o interlocutor confiável até para setores conservadores ou para forças políticas de direita que se dizem comprometidas com a preservação de liberdades democráticas, ameaçadas pela cantilena autoritária de Jair Bolsonaro. Frentes políticas ou parlamentares estão se formando, em Brasília e nos Estados, para a discussão de uma agenda democrática que priorize a continuidade do enfrentamento à pandemia de covid mas que também ofereça ao País perspectivas concretas de retomada do desenvolvimento social e econômico, o que tem sido postergado pelo atual governo, ou arremedo de governo, que se verifica na estrutura de Poder brasileira. Na Paraíba, o ex-governador Ricardo Coutinho percebeu em tempo a direção dos ventos e procurou ajustar sua carta de navegação, protagonizando, por exemplo, um retorno aos quadros petistas para melhor se deixar liderar por Lula.
Nas eleições municipais de 2020 para prefeito de João Pessoa, a preferência política de Lula na Paraíba ficou escancarada quando ele anunciou apoio à candidatura do ex-governador Ricardo Coutinho, mesmo tendo ciência do desgaste que ele estava enfrentando. Lula renegou o próprio Partido dos Trabalhadores, que tinha candidatura própria, na pessoa do deputado estadual Anísio Maia, militante histórico da legenda, e declarou o voto em Ricardo mesmo sendo ele do PSB, legenda com quem o PT tem atritos em vários Estados. Foi uma forma de Lula se quitar com Ricardo pela solidariedade dele recebida quando foi alvo da Lava-Jato e pela solidariedade que ele forneceu à ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment desta. Mas o reencontro de Lula com Ricardo possibilitou avanços, cujo emblema maior foi o prestígio dado por Lula à refiliação do ex-governador ao PT.
Ricardo acredita que o carisma do ex-presidente da República e líder petista é suficiente para alavancar uma candidatura sua ao Senado. Em termos concretos, em 2020 não ocorreu transferência de votos mais significativa para Ricardo na disputa pela prefeitura de João Pessoa por parte de Lula, tanto assim que o ex-governador sequer conseguiu passaporte para o segundo turno. O histórico de Lula na Paraíba, aliás, demonstra que ele tem votos expressivos para si, mas dificilmente transfere, tanto assim que candidatos ao governo por ele apoiados não vitoriaram em eleições locais. É uma incógnita a posição eleitoral de Ricardo para o Senado, como é uma incógnita a própria hipótese de registro da sua candidatura. O ex-governador, que teve prestações de contas rejeitadas pela terceira vez pelo Tribunal de Contas do Estado, mais uma vez aposta no “imponderável”, um dado que geralmente é descartado em análises científicas ou políticas-metodológicas de campanhas eleitorais. Independente de resultados, Ricardo quer confundir o eleitor. É sua forma de interferir no processo político-eleitoral – senão para ganhar, pelo menos para ajudar a derrotar quem quer que seja que não reze pela sua cartilha.