Nonato Guedes
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) começa a ser acusado de retaliar Estados que são governados por adversários políticos, numa atitude anti-republicana que coincide com o avanço da campanha eleitoral em que o mandatário irá pleitear a reeleição. O governo de Alagoas, por exemplo, recorreu ao Supremo Tribunal Federal para obter recursos federais após o Banco do Brasil ter interrompido, sem qualquer justificativa, negociações para a concessão de empréstimo considerado indispensável para regularização de pendências do Estado. A Bahia, através do governador Rui Costa (PT), também teria sido prejudicado na operação de operação de empréstimo com a instituição bancária.
A direção do Banco do Brasil, através de nota, negou a retaliação, informando que são adotados critérios eminentemente técnicos para a liberação de empréstimos a Estados, mas a versão é rechaçada por políticos opositores do Planalto, que chegaram a indicar partidos da base bolsonarista que foram contemplados com benesses oficiais em detrimento do atendimento equânime ou isonômico, nos termos da Constituição e do respeito ao princípio federativo. O governador de Alagoas é Renan Filho, cujo pai, o senador Renan Calheiros (MDB) foi relator da CPI da Covid instalada no Senado, que produziu relatórios incriminando o presidente da República por atitudes negacionistas diante da pandemia e por omissões na compra de vacinas e de insumos necessários para melhor equipar a estratégia de combate à calamidade.
Em declarações à “Folha de São Paulo”, Renan Filho repudiou o comportamento do governo federal, dizendo tratar-se de “postura mesquinha” que tumultua a própria normalidade democrática. Além de ser opositor do presidente Bolsonaro, o grupo político a que ele pertence confronta-se, em Alagoas, com o presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira, do PP, que é aliado do mandatário, de quem teve apoio para se eleger à presidência da Casa na disputa contra o deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Arthur Lira engavetou todos os pedidos de impeachment contra Bolsonaro que foram protocolados por instituições ou pessoas na Mesa da Câmara dos Deputados e deu declarações contrárias ao impeachment, alegando suposta falta de subsídios constitucionais para respaldá-lo. O dirigente da Câmara atua articulado, na defesa de Bolsonaro, com integrantes do “Centrão”, agrupamento político conservador e fisiológico que vota a favor de matérias do governo.
A CPI da Covid no Senado, que também foi chamada na mídia de “CPI do Genocídio”, foi incessantemente bombardeada por integrantes da tropa de choque da bancada governista que atuou no plenário durante os debates e os trabalhos de “oitiva”. Muitos dos depoentes convocados pela Comissão com base em indícios ou provas concretas conseguiram liminares judiciais para permanecer em silêncio nos interrogatórios, com isso obstaculando o ritmo das investigações, enquanto outros recorreram à tática de sonegar informações ou contradizer-se nos relatos, tudo com a finalidade calculada de confundir o eixo das apurações. O próprio ministro da Saúde, o paraibano Marcelo Queiroga, convocado pela CPI, não ofereceu colaboração significativa, deixando sem resposta inúmeros questionamentos que lhe foram feitos sobre irregularidades no enfrentamento à pandemia.
Diante dos precedentes já registrados no histórico da relação entre o governo Bolsonaro e governos de Estados governados por opositores políticos a expectativa é de que a retaliação venha a se estender a outras unidades federativas, sobretudo da região Nordeste. Bolsonaro e seus interlocutores nunca absorveram, por exemplo, a formação do chamado “Consórcio Nordeste”, que governadores da região criaram para contornar entraves burocráticos federais e estabelecer canais de intercâmbio comercial com países interessados nas potencialidades locais. O “Consórcio” tem sido inflexível, também, no combate a atitudes negaconistas do presidente Jair Bolsonaro, que, inclusive, enfrenta dificuldades para visitar a região, diante do sentimento hostil ao seu governo que vai se ampliando.
A retaliação na concessão de empréstimos pelo Banco do Brasil poderá se estender a outras demandas de Estados dirigidos por adversários de Bolsonaro junto a outros escalões do governo federal, envolvendo, sobretudo, a área econômica-financeira. O presidente e o ministro Paulo Guedes nunca demonstraram preocupação efetiva em dialogar com governadores opositores do Planalto, alguns dos quais foram destratados publicamente pelo mandatário em célebre reunião no Palácio do Planalto. A hostilidade que ora está sendo intensificada provoca, no entanto, uma união dos chefes de Executivo para recorrer ao Supremo Tribunal Federal e a outras instâncias judiciais a fim de assegurar o cumprimento de direitos que lhe são devidos e que podem vir a ser sonegados por perseguição política odiosa por parte do presidente da República.
É um dever do Presidente da República tratar com isonomia os entes federados. Mas Bolsonaro é despreparado para o cargo, incompetente para fazer política, atira no próprio pé, joga contra o seu patrimônio. Assim, Bolsonaro não tem chance de dar certo. Sua eleição em 2018 se deu diante de circunstâncias anormais. Dentro em breve, o processo político se restabelecerá completamente. Bolsonaro será varrido para o lixo da história. Quem viver verá.