Nonato Guedes
Ministro da Casa Civil no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e presidente nacional do PT entre 1995 e 2002, José Dirceu está de volta à cena, atuando nos bastidores políticos para atrair o apoio de dissidentes de outros partidos e de líderes sem destino partidário à frente ampla que está sendo montada para dar respaldo à candidatura do líder petista maior à presidência da República. De acordo com reportagem da revista “Veja”, o retorno de “Zé” Dirceu, uma figura controversa na história do petismo, provoca incômodos e constrangimentos dentro do seu próprio partido, além de desconforto junto a lideranças de outras legendas que relutam em se deixar fotografar ao seu lado.
Ele já deixou rastros de sua passagem pela Paraíba, onde esteve em meio a festejos na orla marítima e se encontrou com expoentes do Partido dos Trabalhadores, ao mesmo tempo em que conversou com outras lideranças por telefone, agendando encontros ostensivos em outros centros nacionais. O ex-ministro, que já foi considerado “todo-poderoso” ou “eminência parda” na gestão de Lula, foi condenado duas vezes no processo rumoroso do mensalão – em uma delas, conseguiu absolvição após recurso. Por duas vezes foi condenado pela Lava-Jato por crimes como corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e obtenção de ganhos indevidos. Dirceu já foi preso quatro vezes e não teve sentenças anuladas, diferentemente de Lula. Ele ainda pode voltar à prisão após a análise de seus recursos pelo Supremo Tribunal Federal. Somadas, suas penas resultam em mais de trinta anos de prisão.
Autor de livros de memórias em que procura glorificar a si mesmo, Dirceu já esteve com políticos tucanos que se opõem à candidatura do governador de São Paulo, João Doria, ao Palácio do Planalto, e, ao mesmo tempo, articulou aproximação com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que defende uma aliança com Lula caso seu partido não viabilize a candidatura da senadora Simone Tebet. Em tese, a estratégia de Dirceu coincide com a da campanha de Lula, que busca caminhar em direção ao centro contra Jair Bolsonaro, dialogando, inclusive, com forças políticas conservadoras que estão situadas no interior de diferentes legendas. O próprio Lula, afinal, tem feito gestos reiterados ao ex-governador tucano Geraldo Alckmin para ser, inclusive, seu candidato a vice – tese que ainda não é consensual dentro do PT.
A reportagem de “Veja” destaca que há avaliações dentro do petismo de que o ex-presidente Lula tem condições de fazer por conta própria algumas das articulações que estão sendo conduzidas por José Dirceu, o que o pouparia de recorrer a um polêmico aliado. Interlocutores do líder petista afiançam que o ex-presidente acompanha a movimentação de Dirceu e tem se incomodado porque esse voo solo ocorre sem a devida prestação de contas. “Para piorar, Dirceu sempre deixa a impressão de que ele tem autoridade para falar em nome de Lula, o que não seria verdadeiro). Nenhum integrante do núcleo duro da campanha, no entanto, aposta que o chefe irá desautorizar o ex-auxiliar, devido a seu passado de lealdade nos piores momentos do histórico do Partido dos Trabalhadores. Na corrida eleitoral deste ano, Lula preferia que Dirceu trabalhasse junto aos militantes de base, e longe dos holofotes.
Cientistas políticos alertam que, certamente, os adversários do ex-presidente Lula vão explorar os esquemas do mensalão e do petrolão sempre que puderem durante a campanha eleitoral e, desse ponto de vista, as recentes reuniões de Dirceu com líderes de outros partidos só forneceriam mais oportunidades para que esses assuntos sejam trazidos à tona. “Lula vai ter de gastar energia para explicar o que aconteceu”, afirma o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, acrescentando: “Ele já não vai conseguir escapar desse debate e vai ser cobrado não apenas por Sergio moro, mas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, por Ciro Gomes e por João Doria. Todos esses candidatos vão se utilizar estrategicamente dos escândalos bilionários em que o Partido dos Trabalhadores se envolveu e das condenações”. O que parece claro é que Lula vai precisar muito mais do que apenas de carisma para consolidar seu favoritismo no páreo. Dependerá de muita habilidade política para contornar situações indesejáveis criadas por fantasmas que sua pretensão está ressuscitando.